Memento

Nada poderia ser mais do nada do que receber um soco com a mão do batedor que estava segurando um copo de plástico, pelo menos assim Ele percebeu. Na boate, após um show que Ele quase não assistiu, por procurar mais bebidas do que ouvir as músicas, Ele tentou afastar algumas pessoas que queriam, claramente, uma briga. Na investida que recebeu no peito, agora com a mão aberta, Ele simplesmente afastou a mão do rapaz, e o empurrou de volta, bastou isso, para um terceiro surgir do nada e recebê-lo com um belo soco, por sorte, pensou em seguida, foi com a mão errada, com a direita ele não acertaria nada, então, o homem resolveu utilizar a esquerda, nesta, um copo de plástico cheio de gelo e vodca estava posta. Acertou em cheio o rosto Dele, que o fez cambalear pra trás. O homem não estava satisfeito, voltou a lhe acertar com um chute na perna direita, deixando um hematoma, empurrou mais uma vez, o que fez com que Ele conseguisse acertar um soco no seu rosto, enfurecendo-o. Neste momento os seguranças vieram, tentaram segurar Ele pelo pescoço mas em vão, caíram no chão depois que Ele conseguiu se desvincular, ao perceber do que se tratava, logo segurou o segurança pelo braço e o levantou, mas ainda assim, foi expulso da boate.

Do lado de fora, esbravejava: “nem conseguiram me tirar sangue, seus babacas, ainda estou de pé, e nem sangue tiraram de mim, fracotes”, ria da situação, era infinitamente mais fraco que seus agressores, e por isso ria, como aqueles tolos queriam bater logo nele, não fazia sentido. Ria. Se sentou no chão e acendeu um cigarro. Depois do terceiro o segurança veio em sua direção: “vai embora amigo, te tirei lá de dentro por isso, pra te defender deles, você viu o tamanho daqueles caras? Vai pra casa.”

Aceitou o conselho, mas estava sem telefone, sem chave, sem nada. Foi ainda assim, talvez conseguisse entrar. Andou por uma hora até chegar na porta da casa de sua avó, bateu na janela mas ninguém atendeu, pensou em pular o muro, mas isso acordaria todos ali, resolveu ir andar mais, já que o cigarro tinha acabado, e seu avô acordaria as seis da manhã, andar, comprar um cigarro, e voltar, lhe daria tempo.

Desceu a rua ainda xingando a falta de sorte. Parou, se sentou num banco e pensou novamente: estava sozinho, completamente sozinho.

Parou na padaria, comprou um cigarro, a mulher do caixa o indagou: “andou brigando né?

– por que? – ele perguntou

– seus olhos, estão vermelhos e seu rosto tá todo arranhado.

– não não, isso foi um gato.

– sei, deu dez e noventa, coloca um gelo nisso aí, e vê se não briga mais com gatos por aí, você não tem cara de quem briga, e nem porte físico pra isso.

– como assim?

– você parece ser uma pessoa boa, e mais, educado. Os maus costumam saber disso, e por isso você apanhou. Digo, os gatos.

Ele agradeceu e saiu acendendo outro cigarro. Ainda eram quatro e meia, não tinha pra onde ir. Lembrou-se que seu pai tinha um prédio na cidade, e que o apartamento do fundo estava desocupado, resolveu ir pra lá, já que sempre conseguia abrir a janela pelo lado de fora, e possivelmente, o frio seria combatido. Tremia de frio nesse momento.

O caminho era longo, e a perna começava a latejar, como o rosto começava a arder. Não tinha ninguém no caminho, nem carros, apenas Ele.

Ao chegar no apartamento não viu nenhum jeito de abrir a janela, já que ali trancado estava um cadeado maior que sua mão. Resolveu dormir no chão mesmo, embaixo de uma escada, junto com algumas caixas. Dormiu.

Somente acordou quando uma moto foi ligada, alguém estava saindo pra trabalhar, Ele sentiu medo nesse momento, se o encontrassem ali, poderia apanhar, e dessa vez tirariam sangue com certa facilidade, já que nem conseguia se mover direito. Pensou que talvez mendigos sofressem isso o tempo todo. Se sentiu mal, sabendo que ao andar mais meia hora teria uma cama quente, comida a vontade e proteção de paredes. Enquanto os mendigos, não.

Com o sol nascendo, e após o trabalhador sair do prédio, ele se pôs mais uma vez a andar. Parou numa padaria e comprou um pastel e uma coca cola. Comeu tranquilamente. Voltou a casa de sua avó.

Agora pessoas tomavam a rua, não muitas, mas todas olhavam pra ele. A roupa toda preta, o cachecol, o anel preto no dedo mindinho e claro, as marcas em seu rosto davam um certo susto em quem o via. Era complicado porque, ao mesmo tempo que ele parecia alguém tranquilo e nada ruim, todo o conjunto mostrava o contrário, confusos, todos o olhavam.

Chegou na porta da casa da sua avó e nada viu. Sentiu no passeio. Dois minutos depois seu avô chegou: “isso é hora de chegar em casa moreno?”

“Que isso, cheguei às quatro da manhã, estava esperando o senhor, perdi do meu primo.”

“Isso não é desculpa pra hora que você chegou”

“Tem toda razão. Vou dormir.” E foi.

Aquela festa foi, no mais, engraçadíssima. Se lembrou das conversas posteriores, do cuidado da mãe e do pai, e chorou, ao lembrar da preocupação da avó.

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