Ato, desato e hiato.

Parte Um

Emoção em atos

Ato 01

Displicente e por completo sem esperança de algo, apenas utilizando a qualidade da outra parte, o sujeito a chama para conversar durante uma viagem. Se recorda, por alto, daquela outra vez que chamou a moça, mas esta nem o respondeu. Desta, algo diferente. A resposta caminha pelas ondas da internet e atingem o sujeito com uma satisfação própria. Ela não só respondeu, como brincou.

Observando a profissão da moça, busca por uma possibilidade de novas conversas, e elas desencadeiam novos rumos. A filosofia entra em jogo, mil mensagens de voz, e buscas profundas pela verdade do ser. Na primeira conversa, desabafo. Ambos procurando se conhecer antes de conhecer o próximo. Mas, nada os tinha preparado para a emoção da conexão que estava por vir. Algo tão estúpido, tão pífio, tão singular, tão pessoal, num curto período de tempo.

E a franqueza de ambos possibilitou rumos inimagináveis. Sabiam do que eram capazes, sabiam o que queriam, ele sabia que ia se apaixonar, ela sabia que ele iria se apaixonar. Ele nem se importou, a tempos não sofria por amor, e a tempos não escrevia algo bom. Ela se preocupou, mas o tédio falou mais alto.

Ato 02

Noutro dia, o sujeito busca maneiras de puxar assunto com aquela que despertou nele vontades de conhecer o litoral, mesmo que tomando cuidado com sua intensidade, ele nem se preocupou tanto assim. Pouco se importava com o tanto que era intenso, nem com o mergulhar de cabeça, principalmente porque a moça não era daquelas rasas que o machucavam quando o mergulho ocorria, não, de maneira nenhuma, ali ele podia nadar a vontade, encontrar pontos em comum, portos seguros, ilhas do saber. Ele tinha uma concepção sobre aquelas que conhecia, grande parte, eram aquários, pareciam mares profundos, mas não passavam de mentiras bem construídas, para que aqueles que buscam nadar, não se sintam incompletos. Ela, por outro lado, era o próprio oceano. E ele precisava mergulhar na sua profundidade.

O assunto aconteceu. Mais tarde, ela o procura para conversar pela madrugada, ambos começam a beber, e o que começou como uma curiosidade, tomou características de interesse, desejo, vontade.

Conversas pela madrugada, ambos bêbados falando verdades. Por três dias, isso aconteceu. No terceiro, ele passou todo o dia pensando na ligação que faria a noite. Porque era, naquele momento, por mais tolo que pudesse ser, a parte mais interessante do seu dia. Esperou.

Ato 03

O medo talvez seja a maior prova de racionalidade do ser humano. Os dois, emocionados (mais ele, vamos admitir (só ele, vocês bem sabem)), pautavam-se pelo receio de errar e do fracasso. Ele, despreocupado, uma vez que não se importava tanto com isso, ela, sabendo da própria condição, sabia que poderia magoá-lo em algum momento. Então, o medo os recuou. Ambos perceberam que, se continuassem, algo dali sairia. Não sabiam, porém, se seria bom ou ruim, mesmo que, pelo pessimismo evidente e existente, o ruim os assolava mais. Percebiam que iriam se interessar profundamente até perder completamente o interesse, ou pior, não o perderiam. A distância que por muito tempo foi um impeditivo de grandes histórias serem construídas, hoje, pelos avanços tecnológicos tende a ser ignorada, mas não com esses dois. Pois sabem que ela existe. E como sabem.

Ele possui uma inteligência acima da média, uma arrogância e prepotência predominante, e um certo charme. Ela é simplesmente genial, com recursos literários de invejar grandes escritores, de conhecimento da própria área tão significativos, que até mesmo aquele que tudo explica, não teria explicação para suas indagações.

A racionalidade os afastou porque era necessário. E os emocionados, por mais que assim estivessem graças a infinitude de sentimento que possuíam dentro de si, preferiram seguir a razão. Aristóteles admite que a justa medida é o caminho para uma vida que vale a pena ser vivida, mas o que seria nesse contexto, a justa medida? Amizade não bastaria. Sobrou então, o medo. E o medo é a característica básica da razão.

Fim do ato.

As cortinas se fecham.

Aplausos.

Ato 04

Reabrem as cortinas:

O retorno se apresenta com certa dificuldade. O sujeito busca métodos para chamar a atenção da moça, em vão. Até que o acerto os encontra. Novamente um assunto surge, mas logo morre. Outra foto recebida, a tentativa dela de chamar a atenção dele, obviamente deu certo. Um pedido chega, mas não adianta.

A noite ela surge. Podem ser amigos. Claro. Por que não. Bom, porque ele não quer. Admite a possibilidade de, num futuro próximo, se apaixonar. E ela também confessa, nunca consegue uma boa amizade. E joga em sua face às voltas e as tentativas de manipulação que ele fez.

Quando pensou que iria se apaixonar, estava certo. Porque nesse jogo, ele com certeza irá perder. Não há possibilidade. Mas, não há derrotado, ele sabe disso. Só pela chance de gostar de alguém tão ímpar, a vitória já o alcançou. E a vitória não está tão distante. Não essa vitória.

O jogo começa. Ambos mostram as cartas e riem.

Outra semana passa. Noites em claro. Ajuda. Desabafo. Ele, agora, conhece o íntimo, ela, mais do que nunca, conhece seus medos.

O jogo continua.

Ato 05 – A Pretensão

Do dicionário: pretensão

substantivo feminino

1.

direito suposto ou real, reivindicado por um indivíduo, uma nação etc. (freq. us. no pl.).

“a Espanha manifestou suas p. sobre as terras do Novo Mundo”

2.

aquilo que se solicita ou se exige; exigência, solicitação.

Poderia, também, ser explicada como vontade. Aparentemente sim, despretensiosa pode ser uma ação sem querer, de forma de a ação não ter uma relação com o fim. Falta, então, a vontade.

Seria assim que ele se comportava, de forma despretensiosa no início, mas, ao fim, a sua pretensão era clara. Queria aquilo.

Mas, claro também era a dificuldade. Vontade, pura e simples, não leva ninguém a lugar nenhum. Se bastasse a vontade, ele estaria morto. Já que não basta, permanece ali, vivo, e querendo coisas. Muitas coisas.

E o limite do jovem, como inexistente, também impede que a pretensão seja diminuída, assim, por completo, a sua vontade, por mais impossível que seja, permanecia crescente.

Jovens.

Pretensão é a demonstração do desejo, para além da vontade. Como dito, se vontade só não é o suficiente, sobra o desejo para que haja o agir. E estes, completos, fazem com que o jovem cometa o erro de ligar para alguém às duas da manhã de uma segunda feira.

E o encaminhar de fotos aleatórias demonstrando o dia a dia, pode ser observado como despretensioso, mas, dizendo logo em seguida que queria a companhia do outro, já enche o ato de pretensão, já que ali reside a vontade, do inicio ao fim, e claro, o desejo.

Se ela expõe em seu corpo o desejo por completo, ele extrapola em seus copos para que não se limite de vez pelo desejo que tem por aquele corpo.

Não se limita em usar virgulas, mas principalmente em colocar pontos finais. Não quer o fim, apenas…

O agir despretensiosamente, cheio de desejo e vontade pelo caminho que leva de um início, a qualquer fim.

Ato 06 – Manipulação

Enquanto os corpos suados se retiravam da cama, um para fumar e outra para se lavar, ambos perceberam que aquilo tinha ido longe demais.

O sonho dele, de encontrar a poetisa perfeita, a artista magnífica, estava ali. Mas, ao mesmo tempo, não estava. Já que a distância era, por um exagero dos deuses e do destino, imensa.

A vontade dela era outra, queria mais ela, do que outro. Se fosse a três meses, ela já estaria batendo em sua porta entregando a ele seu corpo, seu desejo, sua voz. Mas não agora. Agora ela só queria paz.

A paz de busca, principalmente, com o autoconhecimento. E ambos o tinham. Ao mesmo tempo que ambos entendiam um ao outro. Como por exemplo, ele, entendia que ela se afastaria para protegê-lo, por uma ideia tola de não querer feri-lo. Ela, doutro lado, entendia que a intensidade dele era seu maior defeito.

Ele tenta, num primeiro momento, dar atenção a outras pessoas, outras mulheres, outros caminhos. Mas tudo o puxa pra aquela bobagem. Ela conta até o que jantou, para puxar papo, chamar, conversar. Ficam sem sono. Outra noite em claro. Ele perde aula, chega atrasado no trabalho, leva esporro. Ela…

Claro como a luz do sol, depois dessa noite, se afastaram.

São tantos desencontros tortos e encontros retos que os afastamentos acabam se tornando comuns. Como se não bastasse os milhares de quilômetros entre os dois. Não, resolvem se afastar também das mensagens.

Dessa vez foi mais cruel, um “Infantil, você continua ligando pra uma garota de outro estado toda noite, mesmo ela dizendo que não quer nada sério com você”

Ele ainda em dúvida se ela disse aquilo para mantê-lo afastado, ou porque realmente queria deixar claro. Não se importou. Sabia o quão infantil e esperançoso era. O quão pequeno, o quão…

Manipulado era.

E o quão manipulador era.

E o quanto gostava daquilo

E o tanto que admirava ela, por tentar…

E o tanto que a endeusava, só por sê-la.

Bobagens de um rapaz latino-americano.

Evidências de uma infantilidade compreendida por uma má formação na relação com sua mãe. Obviamente, apenas um palpite. Talvez seja culpa do seu pai. Ou apenas dele mesmo, por não aceitar ser feliz sozinho. Mas talvez, e apenas talvez, seja apenas tudo parte do jogo.

Ato 07 – Poeta

Desencontro

Enquanto ele bebia com amigos, ela se despia.

Ele criticando a vida, ela vestia o pijama rosa

Ele xingava Deus, ela orava

Ele pedia por um cachorro, ela brincava com o seu.

Enquanto ele fumava, ela sentia falta do cigarro.

Enquanto ele ria, ela abria a conversa de ambos no aplicativo de mensagens.

Enquanto ele falava dela e os amigos riam com desdém, ela percebia que tudo era imaginação e carência.

Ele também percebeu.

Mas o golpe baixo foi mandar aquele áudio, as cinco da manhã, completamente bêbado, por não conseguir acreditar que estivessem separados.

No dia seguinte, ele sonhou.

Ela viajou.

Ele não procurou.

E nem vai.

Ela, tampouco.

Se encontraram em seus sonhos e pareceu suficiente.

Estavam com saudade mas não sabiam do que

Ele se perdeu no que criou

Ela no que jogou

Ele não aceitou

E por isso perdeu

Acabou falhando na mais simples regra do jogo

“Não se engane, é apenas um jogo”

Exagerou

O que sempre faz, confundiu o que seria

Romantizou

O que sempre faz, traz o belo à feiura.

Iludiu-se

E se perdeu

Enquanto ela acordava e ria

Ele dormia

Enquanto ele acordava e bebia

Ela comia

Enquanto ele saia

Ela entrava e se fechava

Ele não se abria

Ambos com o celular na mão

Mas sem ligação

Nem oi, nem atenção.

Tentavam se mostrar nas redes sociais,

Sem sinais…

Um do outro.

Fim. (?)

Ato 08 – Receio

Enquanto uma série demonstra o total despreparo de uma personagem em se relacionar com outro ser humano, e o seu medo de estar em um relacionamento sério, o rapaz, do outro lado do continente, mais pro sul, e cerca de vinte anos mais tarde, se preocupa com realmente se apaixonar por alguém que está a vinte horas de distância. A completude do medo se mostra quando se afasta, não liga e nem retorna as mensagens.

E nem é medo pelo medo, é medo por si, e pelo outro. Sabia, desde sempre, que o jogo é certo, e os erros, bem, fazem com que perca.

Mas é claro, a esperança de vencer o faz, mesmo distante, se preocupar. E a cada olhada no celular, uma verificada no contato. Ainda não o apagou, o que demonstra estar consciente de sua atração. Ainda permanece conectado, o que mostra sua paixão.

O rapaz é um tolo que se perde em constantes ilusões.

Foi dito, sobre o rapaz:  “Você vive no mundo da lua, num orbe ilusório onde projeta delírios que não correspondem com a realidade (pleonasmo, se é ilusório, claramente não corresponde com a realidade, até porque também são delírios, e estes não costumam corresponder com a realidade). incapaz de ler e atuar precisamente no mundo real, apenas se masturba intelectualmente procurando em si uma razão que não existe. Você é uma paródia de si mesmo.”

Uma paródia de si mesmo, crê, o rapaz, que concordou apenas com essa afirmação. Se lembrou de uma animação. A personagem se dizia ser uma cópia de uma cópia. E o rapaz também. Uma paródia, ainda que uma cópia, é melhor. Já que ao menos, há arte nessa cópia, satírica, mas, arte. E não seria ele mesmo uma sátira de si mesmo? Sim.

Por isso o medo constante de se relacionar. E se encontrassem a matéria bruta, aquela utilizada para se extrapolar o humor e claro, criar a cópia, da cópia, da sátira, da paródia. Ou seja, encontrar ele mesmo? A essência? Não. não seria amado, aceito, entendido. Nada valeria a pena, nem ele mesmo.

Ele sabe que ela diz o que diz por estar carente ou qualquer outro motivo, mas ainda assim, a vontade de ser desejado é maior do que qualquer outra coisa existente em sua vida. Ele quer isso, ele precisa, ele não vive sem. Ele ainda é uma pessoa.

Possivelmente por isso sempre buscou mulheres que necessitassem também de alguém, para se sentir completo. Para se sentir útil. E é isso, utilidade.

Ele percebe que não está agindo da maneira que deveria, mas, continua. Já que a paixão o alcançou. É um completo idiota, como os personagens citados. Ambos sem conseguir se relacionar, ambos errando, ambos sozinhos, ambos…

Entendeu que é melhor.

Entre Atos 09 e 10 – 

O caminho para o fim, vem após o próprio fim.

Ato 09 – Anúncio

Ele some. Pra variar. Até os amigos já sabem, ele sempre some, pra se focar na própria dor. E ele adora focar nisso. O faz criar. Ele ama criar. Mesmo que ultimamente tenha criado também feliz. A felicidade tem nome, amor próprio. Ele passou a se gostar. Ao menos gostar do que faz, do que aprende, do que muda, do que mente, do quanto sabe, do pouco que sabe, do quanto quer saber. Gosta de ser uma cópia bem feita dependendo de quem está a sua frente, gosta de se moldar, gosta de ser um camaleão dependendo da cor às suas costas. Gosta de si. E se entende. Se perde e se encontra. Mas gosta mais de se perder.

Nas sumidas busca mais se encontrar, já que se perdeu enquanto próximo está daqueles que ama. Numa destas, o tolo percebeu que gostava mesmo dela. Tão longe e tão perto. E ela sabia que ele iria se afastar. E disse, com todas as palavras, enquanto pedia pra ele não se afastar: “Não vou pedir pra você não se afastar…”

E ele gostou.

Ele gosta. Gosta de se sentir querido, mesmo que não acredite que seja. Gosta de ser desejado, mesmo que duvide que isso ocorra. Gosta de ser quem é, mesmo que, bem, não saiba muito bem quem seja.

Ela também. Ele achava. Mas não entendia como.

Ela estava vindo. Vê-lo. E isso era tudo.

ENTRE ATO: 

A constância da escrita faz com que eu me perca em palavras e em um emaranhado de explicações sem sentido, existentes sem vontade de sê-la. Possivelmente a inconstância dos meus sentimentos também seja o que motiva toda esta perda. Uma semana que se inicia com um beijo motivado por diversos porquês, e que numa terça-feira já se encontra encoberto por incertezas. Mesmo que já tenha se iniciado desta forma.

O que seria a incerteza se não aquilo que motiva o homem a buscar verdades nunca encontradas, até porque, se única fosse, sua inexistência já seria óbvia. Mas quando no plural, “verdades”, elas podem ser vistas, em algum sentido.

Mas então onde encontramos a verdade? No beijo da mulher que desejas, no canto em bares perdidos, no perder-se, encontrar-se, enlouquecer-se? Encontramos a verdade em tudo isso e em muito mais, por é a verdade, viver ainda vale.

Em um novo ano a constância do caos continua, seria esta a única verdade. Mesmo que incompreensível e em sua estrutura invisível. Mas, o caos resiste. E mais vale o caos com boas histórias do que a calmaria com péssimas lembranças.

 

Ato 10 – Chegada

Ela veio.

Ele saiu do carro e a viu. Parada, com uma bolsa minúscula no seu braço. E com o melhor amigo dele do lado. Ela estava mesmo ali. Ele achou mesmo que era tudo uma brincadeira. Ela vir? Pra que? Pelo amigo, claro. Ela veio pelo amigo, mas acabou ficando com ele.

E o beijo foi aleatório. Ele apenas queria beijá-la desde de quando mandou um livro. E ela leu. Então, ela parou ao seu lado. Olhou em seus olhos, era como se estivesse pedindo um beijo. Ele beijou.

No dia seguinte, pegou sua mão no meio do baile e a beijou. E conversaram.

E no seguinte ficou até as nove da manhã beijando. E conversando.

E no seguinte.

E ela foi.

Fim do ato. E do ato de beijar. Voltam os telefonemas. Volta a distância. Ele espera que ela volte. Mas sabe do próprio destino. Sabe que ele mesmo é a distância. Ele mesmo é o que distância. Ele mesmo é o ato de abrir-se ao hiato. Ele mesmo é a dificuldade do encontro e da permanência. Ele é a conquista, mas não o manter. Ele é a inconstância do gostar, que fica entre o odiar e amar. Tênue. Ora, ele é a própria corda, bamba, que adoraria usar para se enforcar, já que não o faz no seu próprio ego. Ele é a dúvida na própria vida, já que dias não quer permanecer, noutros quer viver, em tantos, morrer. Em mais um, sobreviver, e por enquanto, partir.

Ele some suplicando para que sintam falta. Mesmo assim, deseja que ela volte.

Egoísta.

Fim Do Ato: O caminho:

Uma Noite Perdida –

Tirastes o véu que cobria minha visão

Agora sabes quem sou

Tanto quanto eu descobri anos atrás.

Sabes o que quero,

Mais que eu sei, e espero.

Tirastes e demolistes a parede de concreto que tampava meu vislumbre de mim mesmo

Me perdi no desconhecido

Agora ando sem rumo em meio ao caos

No meio dos carros

Corro na contramão

Esperando o conflito, o combate

O Embate

Corro esperando o fim que o corte profundo não me proporcionou

As luzes me cegam e eles se desviam

Não querem acertar o corpo de um sujeito já moribundo

O ar ao meu redor tem cheiro de álcool e cigarro

Minhas vestes rasgadas por mim, pois queria me soltar da minha própria pele

Meus óculos caem junto com lágrimas que escorrem do meu rosto

Lá fora chove

A confusão feita pela água que cai dos céus e pela que desce dos meus olhos é comovente

Vale a pena chorar durante uma tempestade

É o que eu tenho feito desde então

Vivo numa tempestade que eu mesmo criei e choro por ela

Às vezes oro por algo que não está ao meu alcance

O orar me acalma, mesmo sabendo que nada, nem ninguém, fará por mim

Se o universo é controlado, este é um péssimo administrador.

Sobrevivo dia após dia, tormenta após raios e trovões,

Esperando o arco-íris que não vem

Esperando a gota de súplica que apenas Deus poderia me dar

Sonhei que havia chegado lá

Mas tolos me salvaram de mim mesmo e novamente me encontrava vivo

Berrava aos ventos que entravam no quarto

“Permita-me ir”

Não deixaram.

Ninguém deixou.

A avenida cheia de carros e de vida não permite também que um animal imundo nela morra

A cerveja que desce pela minha garganta infelizmente não é cicuta

E mesmo com rimas clichês, não há uma alma que me acuda.

Ninguém escuta.

Perco-me tentando encontrar o porquê por trás de um mundo de dúvida.

Todos me pedem ajuda

E eu a entrego de bom grado

E não me perco quando os apoio

Mas não peço de volta, não

Atrapalho.

E a tempestade volta me assustando

Ela tirou as vendas do meu rosto e me mostrou que há algo bom, mas não ficou pra demonstrar o que, como e quando.

Apenas há.

E eu não encontro

Ela tirou as mazelas que eu tinha e disse me amar daquele jeito,

Mas não me lembrou que eu também precisava

E me amar é uma mazela por si só.

Não entendo como alguns carregam, e desconverso quando me contam que sim.

Me disseram, porém

Que poemas precisam rimar

Como combinar finais de palavras se o próprio poeta é desconexo

Poema deve ser belo.

Mesmo que assustador.

Tal como todo o meu ser, que tem lá sua beleza.

 

Ato Final – Despedida

City of stars –

Onde o horizonte se faz belo

Não há mar, Mas bar.

E encontros, sem exceção…

Are you shining just for me? –

Existe uma estrela para que eu possa ter?

Que o brilho me baste…

Ilusão.

City of stars –

Onde o horizonte belo se faz presente

O terei para mim?

Como lhe alcançar?

There’s so much that I can’t see –

Mal posso esperar

Para me perder no olhar

Me cegar…

Who knows?

I felt it from the first embrace

I shared with you –

E em uma sexta feira

Encontro o olhar que buscava

Num beijo doce e sensível

E um abraço que a tempos não abraçava

That now

Our dreams

They’ve finally come true –

E os sonhos,

quantos foram…

pensamentos

momentos

E ligações

Desencontros,

Bêbados

Declarações…

City of stars

Just one thing everybody wants

There in the bars and through the smokescreen

Of the crowded restaurants It’s love

Yes, all we’re looking for is love

From someone else –

De quem importa.

A rush –

Desejo.

A glance –

Da alma

 

A touch –

No corpo

A dance –

E beijos

To look in somebody’s eyes

To light up the skies

To open the world and send me reeling

A voice that says I’ll be here, and you’ll be alright –

Como em tempos

Desacostumado ao gostar

E ambos assustados

Mas ela, presente…

…no distanciar

Eu preso no sim

Enquanto ela, não.

Tudo é tão…

I don’t care if I know

Just where I will go

‘Cause all that I need, this crazy feeling

Ra-ta-tat of my heart I think

I want it to stay –

Cidade do horizonte,

Você me entende?

Você nunca brilhou tão forte.

Iluminou-me como nunca

Cegou-me como sempre

Prendeu-se em mim

City of stars

Cidade da noite longa

Que a sua escuridão me acompanhe,

enquanto encontro meu fim.

Are you shining just for me?

Cidade dos céus estrelados

Que todas me encontrem

E fiquem ao meu lado

City of stars

Saiba, bela e doce cidade

Você jamais partirá meu coração,

Ele já está quebrado.

You never shined so brightly –

PARTE DOIS

DESTRUIÇÃO EM DESATOS (liberdade poética)

de Desato

Desato vem do verbo desatar. O mesmo que: desdo.

Significado de desatar

Desfazer o nó de; soltar; desprender.[Figurado] Resolver, decidir. Prorromper, começar de repente: desatou a chorar.

Se quando aos atos foram construções, aqui estendo às resoluções. Contos curtos, ou longos, de aventuras infantis sem nenhuma ordem, cronológica ou alfabética, apenas histórias contadas da única maneira que eu sei, cheia de interrupções, que dizem mais. Não há significado. Em nada. Então não crie um aqui.

Desato 1 – Todas (quase) as mulheres do mundo

Era uma sexta feira, alguma amiga o havia chamado para beber, ele logo se arrumou, sairia depois do trabalho, iria para o bar que mais gostava, conversar sobre política, filosofia, sociologia, mentes brilhantes, Platão, Aristóteles, Nietzsche.

Falaram sobre sexo, durante a curta caminhada entre o bar que ela havia confundido com o correto, algumas ruas abaixo, numa noite quente e perigosa.

Alguns meses antes ele havia sido assaltado ali mesmo, naquela curva que viraram, um rapaz apareceu do nada e pegou o telefone celular que ele usava para chamar um carro. Uma amiga segurou o ladrão, ele, por sua vez, aplicou um golpe de jiu-jitsu, muito mal executado. Recebeu dois chutes na cabeça, socou duas pessoas, recuperou o celular. 

O medo estava meio alto, ele sabia o porquê, aquele assalto foi um dia atípico. Havia beijado três pessoas, dois rapazes, uma garota, logo depois foi ver um filme com a amiga, dormiu no cinema, tomando café. Estava sem camisa e só uma jaqueta, perdeu o cachimbo que amava. Um dia complicado. Logo depois foi pra casa de outra amiga, pra cuidar dos ferimentos da alma, e do corpo. Fumaram maconha e beberam, ela limpou os machucados dele, mas não pôde curá-los, nem um. 

Enfim, chegaram ao bar, era um andar na verdade, com algumas possibilidades. Ele adorava o jeito que a garota falava, de maneira rebuscada, com as mãos, e um sotaque gaúcho lindo. Ela não bebia, ele comprou uma garrafa de cerveja. Ela de suco. Encontraram algumas cadeiras vazias na porta de uma loja. 

A educação é algo que ele aprendeu desde cedo, uma vez, na selaria do seu avô, este o puxou pra um canto, e lhe deu uma lição, sempre dê seu lugar num banco, ou pergunte se aquele está ocupado, se a pessoa for de idade avançada, ou se for uma dama, sempre. Levava isso a sério, não a educação, mas as coisas que seu avô falava. Como o velho conselho: Nunca diga sua opinião, a menos que perguntem.

Então, ele entrou na loja e perguntou se podia utilizar as cadeiras, de lá saiu uma moça, por volta dos quarenta e quatro anos (idade de sua mãe), cabelo curto, e tatuagens. Era a dona da loja, que obviamente aqui chamaremos de dona, por dois motivos, o primeiro: Não estou gostando de colocar nomes em personagens, principalmente porque isso os torna real, e nada aqui é verdadeiro, são apenas interpretações minhas do que houve, então, sem nomes. O segundo motivo é mais simples e nem um pouco interessante, apenas não me lembro do nome de ninguém dessa história.

A dona permitiu que se sentassem, elogiou a educação dele e puxou uma cadeira para se sentar também. A amiga saiu, para falar com o namorado. O que era uma tristeza particular para ele, por outras razões que você deve imaginar. Ficou, então, conversando com a dona. Descobriu que ela tinha uma filha, da idade dele, estudando na faculdade que ele havia se formado no ano anterior. O medo voltou. Sua mania de sempre se apaixonar perdidamente por mulheres e as esquecer em seguida surgiu com um soco, teria beijado a filha e agora seria desmascarado pela mãe que quer beijar? Não. Infelizmente, pois a filha era magnífica. 

A dona apareceu com duas amigas, ele conversou com todas, riu, bebeu. A amiga apareceu:

– Vou ter que ir, meu namorado…

Ele nem ouviu, disse que iria com ela, as moças não deixaram, o convidaram para uma festa. Aceitou.

Pagaram cerveja, vinho e a entrada. Era aniversário de alguém, uma festa que faziam todo ano, sem exceção. Elas não os via a tempos, E quando chegaram, ele não mais as viu. Foram procurar suas amizades, seus antigos amores, suas saudades. 

Ele se perdeu, fumou, bebeu. Era tudo muito novo, conversou sobre filosofia alemã com uma pessoa com aparência que se parecia com seu avô, sobre homens com uma moça que ali estava, sobre direito penal com alguém que criticou a justiça, sobre política, com uma pessoa que parecia muito uma deputada.

Se você, caro leitor, ainda não se entendeu nessa festa de gente estranha com pessoas esquisitas, eu explico. Era como se Frida Kahlo e Marx tivessem um filho no século XXI, este garoto tem como padrinho de batismo Che Guevara e Guilherme Boulos, de consagração, Trotsky, Tio seria Chomsky, Avô o próprio Luiz Inácio, a Tia seria a Dilma e a melhor amiga, claramente, Petra Costa. Esse filho, ou filha, como elx queira ser, estava fazendo aniversário de 18 anos, chamou todos os amigos do pai, da mãe, do tio, tia, avô e padrinhos, além dos amigos da amiga, alguns tatuadores e uma banda de rock, obviamente. Colocou todos numa casa imensa de dois andares, com grande área e, também por óbvio, uma fogueira.

Por um momento, ele achou que estariam fazendo treinamento de guerrilha para uma nova tentativa de revolução comunista. Infelizmente, estavam todos muito bêbados para manusear armas. 

Não se sentiu bem e resolveu ir embora, mas elas não deixaram, foram abrir outra garrafa. Duas das amigas se beijaram, depois beijaram ele, depois juntas, separadas, entre elas. Ele resolveu ficar.

O show da banda do dono da casa começou, boa música, bom rock, boa voz. E então, ela apareceu. Tatuada da cabeça aos pés, ou ao menos nos braços, dançou ao seu lado e riu de uma piada, disse que ia ali e já voltava. Ele esperou. Ela não voltou, foi atrás, não iria aceitar a condição de ir embora sem pelo menos saber o nome dela, mesmo que soubesse que deveria ir, mesmo não sabendo nada.

Ele gostava do ambiente, mas algumas coisas o incomodavam profundamente, como na hora de ir ao banheiro, haviam quatro cadeiras e cinco pessoas, ele sentado na primeira, tendo que se levantar em seguida, gentilmente deu seu lugar para a garota que estava em pé, mas aquilo gerou o comentário que o atormentou o resto da noite, com desdém, ela disse:

– Nossa, obrigada, vou poder levar pra casa? Como se eu precisasse que macho me desse alguma coisa, ainda mais lugar.

Ele jurou que não iria promover uma discussão gigantesca por algo tão estupido, pensou em contar essa parte em particular para alguns amigos, mas logo desistiu, iriam mais concordar com ela do que com a raiva e ódio dele. Ficou em silêncio. 

Na mesma fila, quando saiu do banheiro, encontrou a amiga da tatuadora, e conversou com ela algo sobre corpos no carnaval, e novamente foi abraçado pela pureza do diálogo ao invés da acusação desproporcional. Perguntou então, onde estava a tatuadora, com um receio de estar com o namorado numa hora dessas, de maneira nenhuma, estava procurando por ele também:

-Quero muito beijar ela.

– Que sorte a sua, porque ela também quer te beijar.

A amiga disse isso com tanta sutileza e tranquilidade.

Ele estava aprendendo coisas interessantes naquele ano. Como por exemplo, quando você quer beijar alguém, conte para a pessoa. Não enrole, só diga “Oi, nossa, queria te beijar”, se ela rir, vocês podem conversar algo a mais, a pessoa pode não querer beijar alguém sem conhecer, se ela não quiser, vai te dizer, e então pede desculpas pelo incômodo ou só fala um “Okay, você é linda”, ou nada, só sai de perto e chora no banheiro por ser um fracasso. Agora, se ela quiser, ela vai te beijar. 

E assim ele fez, encontrou a tatuadora, encostou no seu ombro e disse:

– Oi, olha, eu realmente quero muito te beijar

– Ah é? Que ótimo.

Se beijaram. Ela disse algo que ele não entendeu e saiu. A dona da loja apareceu e o levou para um quarto.

Não era como se ele não pudesse dizer não. Mas…

Na ida para casa, contou sua história para a motorista, ficou particularmente impressionado o quanto estava no meio de mulheres aquele dia. Por exemplo, no trabalho, seu chefe e um outro advogado não foram, estavam apenas ele e suas três chefes. Na ida, motorista mulher, no bar, também. E agora na volta…

Ela riu, no caso, a motorista. Riu e riu. E ele amou a risada. Perguntou se podia beijá-la, ela deixou. 

Dormiu na área da piscina enquanto fumava o ultimo cigarro que havia guardado. Tinha uma rolha de vinho no bolso da camisa. Um abridor de garrafa no bolso da calça. E uma história no peito.

Desato 2 – Erro

Encontros são complicados. Ele sabia bem disso, mas adorava primeiros encontros, a surpresa, o surpreender, entreter, fazer rir, não se levava a sério, era mais fácil, brincar, e até mesmo o esconder. Nessa última era mais fácil, não contar o que está acontecendo e quase nunca falar a verdade dos sentimentos. Talvez por isso nenhum dos seus relacionamentos sérios deram certos, eram constantes encontros, e ele sempre tentava se provar ou provar algo pra alguém. 

Entretanto, estava sozinho em casa, e o aplicativo de relacionamentos estava interessante, conheceu uma moça de trinta anos, era interessante como ela falava, nunca sobre si mesma, a única coisa que ele sabia é que ela gostava de ler, de Chico Buarque, Los Hermanos e Pink Floyd.

– Não tem a menor possibilidade disso dar errado, essa mulher, ela é perfeita. 

Pensou, tinha muito tempo que não conversava com ninguém sobre suas aventuras românticas, ou tentativas de sê-lo. Era constantemente julgado pela opções e atitudes, com toda razão, dos outros. Algumas menos certas que outras, ele sempre estava certo, mesmo quando estava errado, mas talvez as decisões quanto a outras pessoas que se relacionava romanticamente não eram totalmente corretas aos olhos de deus. Se existir um Deus, e este não for um babaca. Se Deus existe e permite toda a dor, das duas uma, ou ele não é benevolente, ou não é todo poderoso. Ou, simplesmente não existe, o explica tudo.

Embora a discussão sobre divindades seja as favoritas dele, não é esse o ponto. Os erros que comete, como o rapaz que beijou numa festa só para experimentar beijar um cara desconhecido e se arrependeu no meio sendo meio cruel dizendo que:

– Não é você, sou eu.

Quando todos sabem que não é ele, e sim o rapaz. Pois esse é o pior jeito de se terminar um beijo.

Mas nem foi a pior parte, o ruim mesmo foi beijar a amiga do rapaz logo em seguida, quando disse que não estava no clima pra beijar. Não cabem todos os demais erros, deixarei apenas esse por enquanto. 

A imaginação, por outro lado, entrega inúmeras possibilidades, diferente dos erros e da realidade, enquanto um te dá aquilo que merece, ou algo perto disso, a outra apenas lhe bate, com certa força. 

Numa tarde quase noite o telefone tocou, e era ela chamando ele para transar. Direto ao ponto. Ele se arrumou e foi. A casa era bem perto, seis minutos de carro. Chegando na porta, ela desistiu.  – Não era para acontecer, mas ele não desistiria só porque o universo deu essa dica -. Ele voltou para a casa. Disse que iria quando ela quisesse. Ela quis de novo, e lá foi ele. 

Levou um livro de presente, na chegada, muitas garrafas vazias, ele já se incomodou com isso, não foi oferecido nem uma bebida. Antes disso, uma queda havia acontecido, não dela por ele, mas dela pro chão. Tropeçou e rolou morro abaixo, figurativamente. 

Já não era para acontecer, isso ele pensaria se acreditasse no destino, mas não, cético como é, não crê em nada se não nos homens, e se ela estava dizendo que queria, então iria. 

E foram. 

Mas, não foi. Não era aquilo, não era para ser, não era o que ele queria. Inventou uma desculpa, se vestiu rápido e saiu. 

O portão não abriu. Ficou dez, vinte, trinta minutos esperando alguém aparecer, não queria vê-la nunca mais, não queria estar ali. Ninguém. 

Ligou

Ela não atendeu, mas viu as mensagens. Desceu. Ele pôde ouvir a porta batendo e o barulho dos seus pés pela escada abaixo. 

– Isso não vai ser bom….

Pensou, e se assustou mais quando viu o livro em sua mão. Isso não foi bom.

Ela passou por ele como um furacão. Apressou o passo, abriu o portão, se virou, bateu com o livro no seu peito, e entregou um tapa no seu rosto. 

– Tchau!

Acendeu um cigarro, colocou os fones, ouviu Belchior, riu da situação, sentou-se no chão.

Às sete da manhã do dia seguinte ela liga:

– Você levou a chave do meu carro por engano?

– Claro que não

– Confere ai por favor

– Eu sei que

– Só olha

Ele finge que olhou, mas sabia que não. A cama não tinha lençol, a porta não tinha tranca, a calcinha tinha mais que três buracos, sem contar por onde se passa as pernas e o tronco. A bagunça era um erro, e ela era uma bagunça.

Por um segundo ele pensou que ela precisava dele:

– Quer alguma ajuda?

– Para de fingir que se importa, que hipocrisia, tchau!

Bloqueio. E dessa vez nem foi ele.

Hiato

Tem um casal na minha frente.

Já comecei textos assim. Contando histórias de observações aleatórias do dia a dia. Sou isso, um emaranhado mal feito de histórias contadas. O casal está sentado em um banco de concreto. Como o que eu estou. A moça veste um vestido. Longo. Junto com uma camisa preta. O rapaz, está de moletom. Vermelho. Como a cor dos cabelos dela. Enquanto sua camisa equivale a barba e cabelo dele.

Antes, ela colocava seu braço direito ao lado dele, apoiando no banco. Abraçando-o.

Não é uma conversa de recém conhecidos. As mochilas ficaram aos pés do banco. É algo sério. Ela o olha atenta. Não pelo assunto, mas pela beleza que vê. Ela está apaixonada. Cega. Ele ríspido. Sério. Sua mão na coxa dela tenta uma aproximação. Mas não foi assim quando se beijaram. Apenas a mão dela o acariciou.

A chuva aumenta. Exponencialmente. The Smiths toca nos meus ouvidos, enquanto ouço Morrissey sendo genial como nunca e Marr sendo brilhante como sempre, fumo um cigarro. Ele para na minha boca. Entre os lábios que não o seguram. Parece que não quero tragar. Quero beijar a garota. Mas Não sei por quê. Não vi seu rosto.

Talvez seja apenas um sentimento de impotência, o constante não poder beijar quem quero. Ou meramente uma vontade de dar aquilo que ela merece. Não que seja eu, não. Nunca sou o que merecem, sou o que tem. Aberto a sempre não mais ter. Sou o outro. Às vezes até tóxico. Como o cigarro que teimo em não tragar.

Ela ajeita seu cabelo vermelho sob a orelha. O olha nos olhos, está calma. Não sei se é uma briga.

Eu acendo outro cigarro. Risco o fósforo enquanto ele repousa entre meus lábios. Trago a primeira. A fumaça percorre meu pescoço. Sinto o beijo de alguém que sinto falta. Sinto ela sob meu peito a noite. Às vezes alguns espasmos. Como eu adorava aquilo. Mesmo não sendo saudade propriamente dita dela, mas da companhia.

Como invejo o que aqueles dois tem.

Como é ruim invejar e ao mesmo tempo não fazer nada para ter. Como é ruim não saber o que se quer. Ou meramente não fazer. Se beijam e trocam carinhos enfim. Ela quer mais. Claramente.

Ainda amo companhias. Ainda não entendo. Ela o deseja imensamente. Estão bem.

Eu não. E nem sei por quê.

Desato 3 – Destino

Já é sabido que nada está escrito, nem predestinado, há um livro, Presença de Anita, que a adolescente de dezoito anos se apaixona por um homem de quarenta e tantos. Ou ele se apaixona por ela. A garota, que era abusada por um conhecido quando criança, constantemente, sempre diz essas palavras, crendo em destino, e que tudo é, será e sempre foi pré-determinado.

Não é a história toda, apenas a parte interessante. Tudo está definido. 

Um amigo estava com saudade de se encontrar com ele, pois não mais faziam faculdade juntos, então, não se viam com tanta frequência. Decidiram ir no bar que adoravam, no centro da cidade. 

O combinado era que se encontrassem por volta das dezoito horas, mas o trabalho fez com que ele não conseguisse. Chegou apenas às dezenove e meia, sem sinal do amigo, que por sinal, era seu primo. Nem sabia qual importava mais, o laço sanguíneo ou o que criaram.

O primo estava sem celular, havia bebido além da conta na comemoração do ano novo, e pulou na piscina, destruindo o aparelho. Então, ele só poderia avisar que estava atrasado quando chegasse.

Chegou e nem sinal do primo. Tentou falar com a namorada, nada.

Entrou no Edifício, procurou em bares, lojas, nada. Por outro lado, encontrou uma garota, com quem tinha tido alguma coisa algum tempo antes. Nada além de conversas e risadas. A viu comprando discos de vinil, mas tinha um rapaz na porta, que parecia esperá-la. Não quis importunar, apenas passou e a cumprimentou.

Ela tinha uma história fantástica, estava fazendo psicologia, o que ele só ficou sabendo mais tarde, tinha morado no sul, no interior, e eles nunca conseguiram se encontrar. Mas naquele dia, que ele tinha marcado com o primo, que acabou quebrando um dente ao comer algo, o que ele também só ficou sabendo mais tarde, e tinha se atrasado, e estava simplesmente passando… Naquele dia atípico, eles se viram. 

Mas ele a deixou ir. Depois percebeu que o rapaz nem a estava acompanhando. Desesperado, olhou no celular, conversou com quatro pessoas, pesquisou e finalmente, a encontrou em um aplicativo qualquer. Mandou mensagem e perguntou se ela poderia voltar. Ela aceitou. 

Durante um monólogo sobre o quanto ela era linda, ela chegou. Freudiana, como deveria ser, admiradora de Lacan, que ele nem se surpreendeu, fã de Belchior, ele se deslumbrou. Conversaram sobre as tatuagens, as marcas da vida, os namoros, os amores, as amantes.

– Vou fumar, você me acompanha?

– Claro.

Ele se levantou, vestiu a jaqueta, a puxou pra perto e beijou. E.

Ela correspondeu. Subiram. E ele só conseguia pensar: “Se ela fumar comigo, eu caso com ela”.

Ela fumou.

Se beijaram. 

– Eu preciso ir.

Ele desceu, a acompanhou, a viu pegar um carro e ir. Ele se sentou no bar novamente.

– Uma dose de uísque? Hoje foi um bom dia. 

Bebeu mais quatro. Acabou o cigarro. Olhou para dentro de si. Alguém fez aquilo acontecer, e ele ficou eternamente grato pela maldita pedra que seu primo mastigou.

Foi apenas um encontro. Para alguém que gosta destes, foi a melhor surpresa.

Hiato – Desato 3 – O que poderia ter sido

Enquanto destino, há discordância. Mas vejamos, quanto ao acaso, que tanto admiro. Se tivesse, o rapaz, terminado seu trabalho a tempo de pegar o ônibus que passa em sua rua e o deixa na porta do Edifício, às 17:30, conforme seu horário de trabalho, vez que chegou mais cedo naquele dia apenas para poder sair mais cedo, teria chegado às 18 horas e sabido mais cedo o infortúnio do primo, não teria encontrado a moça, apenas iria para casa beber no bar ali perto que gostava tanto. Sairia mais barato. 

Se, então, o motorista do ônibus das 19:30 sofresse um acidente em sua casa, se demorasse para ir pro trabalho, atrasando o sair o veículo do pátio, o rapaz então chegaria mais tarde, e não encontraria a moça escolhendo discos, já que ela estaria em outra loja, longe do caminho dele. 

Se o primo não tivesse mordido alguma coisa dura, ou se escovasse melhor os dentes, não o teria quebrado. E mesmo se tivesse, se não pulasse numa piscina no ano novo, teria o celular em mãos, atenderia as chamadas e avisaria que não poderia ir. Então o rapaz nem sairia do trabalho para o centro, só iria para casa beber sozinho. 

Se ele não quisesse ir. Se ela não tivesse bebendo antes de comprar os discos, se bebesse mais um copo poderia ter ido ao banheiro, ou menos um, teriam de qualquer forma se desencontrado. Nem tudo é destino, ou acaso. Mas tudo acontece porque tinha que acontecer. Seja pelo acaso ou pelo destino. Ou porque meramente, é assim. 

Desato 4 – Beijo

substantivo masculino

  1. ato ou efeito de tocar, pressionando, os lábios sobre pessoa, animal ou objeto querido ou com valor simbólico, ger. para demonstrar carinho, afeto etc. “deu um b. na filha adormecida”
  2. POR METÁFORA: ato ou efeito de tocar de leve, de roçar, de ter um suave contato. “o b. do mar na areia”

Tocar de leve, suave contato, com grande valor simbólico. O beijo é o primeiro contato que temos quando nos interessamos por alguém, e é recíproco, ao menos quando há o encontro de lábios. É também o primeiro que temos ao conhecer alguém, em alguns lugares, dois, um em cada bochecha, mas de forma superficial, nada de fato com toque, sem lábio na superfície da pele, apenas um estalo feito com a boca, em outros apenas um. 

Se gostamos, o mero abraço já é tudo, o aperto, o peito no peito, mão na nuca e nas costas, tato. Aí sim, sentir batimentos cardíacos e sentir. Ele se lembrava constantemente de sentir as costas nuas dela, deitados na cama, ela com a cabeça apoiada em seu peito. Sem beijo. Apenas a simplicidade do contato humano. 

Mas beijo, mesmo que na boca, não é privilégio dos amantes, apaixonados, namorados, casados, nem dos amantes dos namorados, não vamos esquecê-los. Beijo é toque de carinho e troca de afeto. 

Numa noite onde os jovens saem para beijar, ele foi com amigos aproveitar. Beberam na casa de uma, e acabaram a cerveja, o rum, o uísque. Rindo, foram comprar mais. Já tarde da noite aquilo apenas não era o suficiente, se lembraram da velha boate que tinha ali perto, queriam dançar, ouvir música, rir, e, se sorte existir, beijar. 

Ele foi, entrou em contato com um antigo contato, ganharam a entrada e alguma bebida, dançaram. Se interessou por uma moça, distante, que estava do lado de fora fumando um cigarro. 

Enquanto olhava pra ela os óculos não paravam de cair do seu rosto, ele estava incomodado com a armação quadrada, havia comprado uma mais arredondada, que chegaria em breve. Tirou os óculos e guardou no bolso. Mais tarde percebera que fora um erro terrível, ficou quatro dias sem enxergar pois quebrara o óculos em três partes enquanto caia escada abaixo, rolando pela bebida, e pela gravidade. 

Parou perto de sua amiga e disse que estava interessado na garota, a amiga mal ouviu e foi procurá-la. Recebeu um não. Riram da situação. “Não gosto de beijar quem não conheço, tem que ter conversa antes”, estavam numa boate, mal dava para ouvir uns aos outros, impossível conversar ali. 

Ele se lembrou de uma vez que tinha ido a um karaokê, jurava que amava o lugar, mesmo quase nunca cantando nada, mas realmente, sempre ia. Nesse dia, depois de beber com um antigo professor, foram beber mais e cantar qualquer coisa. A conversa nesse dia aconteceu, havia espaço pra isso. Mas a escolha do assunto talvez não tenha sido das melhores: “O que ocasionou o declínio de Hitler, política econômica da Alemanha nazista ou insubordinação do partido?”, ele acreditava que o segundo levou ao declínio da primeira e por isso a destruição de Hitler, não pensava que eram heróis, na maioria das vezes, as grandes potências se destroem sozinhas, sem precisar de ninguém. Uma moça chegou e perguntou aos amigos se eram nazistas por estarem falando sobre aquilo. Apenas riram.

Mas nessa festa, não. Não tinha espaço, lugar. Numa outra vez que tinha ido, nessa mesma boate, se sentou desconfortável numa caixa de som, uma garota apareceu e perguntou se estava tudo bem, acabaram se beijando. Mas nesse dia. Não. Estava sem sorte.

Via que havia importância em beijar, em transmitir. Um dos quadros mais famosos pintados a este respeito possui um nome propício, O Beijo, do pintor austríaco Gustav Klimt, executada em óleo sobre tela mostra apenas um homem, beijando aquela que pode ser sua amada, no rosto, de forma delicada. Não há nada demais e ainda assim tudo neste ato. Por que estava incomodado ele não sabia. Queria beijar qualquer uma ou apenas alguém especial, também não tinha ideia. Era apenas beijo naquela garota, mas em outra… Então, percebeu que não é o beijo que importa, mas em quem ele é dado, e por quem é entregue.

Jean Rostand, filósofo moralista e historiador francês disse, certa vez, que “Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido.”. Ao ler a frase, num primeiro momento, ele pensou em quantos amantes que não podiam amar, encontravam num único beijo, toda a verdade do outro, ou naqueles que precisavam esconder, em quantos beijos o faziam. 

A humorista norte-americana Helen Rowland, disse sobre os beijos que: “Um homem rouba o primeiro beijo, implora o segundo, exige o terceiro, recebe o quarto, aceita o quinto, e suporta os restantes.”. Nunca se soube se da mesma mulher, imagino que não. E que apenas suporta os restantes pois amou verdadeiramente a segunda.

Carlos Drummond de Andrade, explica, então, com sua natural perfeição, que: “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.”

Estava amanhecendo, e ele quis ir embora, a amiga o acompanhou. Moravam perto. Era melhor, mas a tarifa do carro de aplicativo estava alta demais, resolveram andar. E andaram. Até chegar em uma praça, se sentaram, viram o nascer do sol. Se olharam. Não beijaram ninguém, e ainda assim, era um dia especial. 

Perceberam que sempre, naquele grupo de amigos, o cumprimento era com selinhos, beijinhos fofos, e ali havia muito carinho. Ficaram felizes por terem feito boas companhias. O que importa não são os beijos dados, mas o amor entregue por cada um deles, dados e recebidos pelas pessoas que os merecem.

Hiato

Dos beijos aos amores

Num momento ele se virou para ela e assumiu sua paixão:

  • A um tempo atrás, me apaixonei por você.
  • Eu também.

Eles nunca mais comentaram sobre isso, nem tocaram no assunto, nunca souberam o porquê não ficaram, saíram, ou algo assim. Próximo ou distante disso. Ele sempre se lembra com carinho das conversas sobre os amores de ambos, ele confiava perdidamente nela, contava cada detalhe dos absurdos que fazia, e se deslumbrava com todas as demonstrações de conhecimento e inteligência que ela possuía. Das escritas, era sempre pra ela que ele primeiro mandava. Gostava das dicas, do que tinha pra falar, e dos elogios, é claro. Amava ouvir ou ler. Mas eram, desde o início, e até o fim, amigos. Nada mais, nem menos. E aquilo era bom.

Desato 5 – O dia após

Naquele tempo havia alguém, um beijo na virada do ano tinha acontecido, e alguns mais durante, e outros após. As amigas dela preocupadas, o dele não mais sendo tão amigo. E ele realmente interessado naquela garota, que viria a se tornar uma fantástica profissional da saúde. 

Ele havia percebido o quanto ela estava interessante numa pequena festa em sua casa, poucas pessoas, muita conversa, alguma bebida. Conversaram muito, sobre tudo. Mas ela não o beijou. Ele percebeu que precisava fazer algo quando as fotos e vídeos sempre apareciam no aplicativo e ele lutava para não pensar nela, mas em vão. 

Fez. E se beijaram, e ele se declarou, mas, ele sempre saia com alguém, e sempre tinha outra pessoa, e o acaso sempre o ajudava. E quando o acaso o fez encontrar um antigo caso numa loja de discos, ele desabou. Bêbado, contou aos quatro ventos o quão fantástico foi beijar aquela do seu passado ao som de Freddie Freeloader, de Miles Davis. E não só o Jazz ficou em sua mente depois, como o acaso, e claro, o problema de enfrentar a verdade.

Se estava apaixonado, porque beijou outra pessoa. Ele nunca soube muito bem responder essa pergunta. Foi acusado de mentir, de defendeu prontamente: “Nunca menti pra nenhuma mulher, me apaixono por todas elas, perdidamente.”. Numa conversa com uma amiga, após outra mulher lhe xingar de cafajeste, perguntou se realmente era, ela disse que não, ele apenas gostava muito, de todas, e isso podia ser um problema para algumas. A mãe costumeiramente dizia: “Você quer todas elas pra você, ciumento demais, parece com o seu Dom Casmurro”. E mesmo sendo uma baita crítica, sendo que Bentinho não era lá uma boa pessoa, ele utilizou aquilo como elogio. 

Teve até uma mulher que lhe disse, com todas as palavras: “Eu quero você, pode ser esse homem boêmio, cheio de mulheres, sendo meu também, tudo bem, eu aceito.”. Esse foi o pior término de todos, e só terminou porque ele não sabia bem o que queria. Óbvio que a procurou depois, e ela o quis de volta, mas agora, era evangélica e não faria nada até o casamento. Esse terminou antes de começar.

Chamou, então, a moça por quem estava apaixonado para conversar. A conversa durou cinco minutos, depois só se ouviu o Jazz e suspiros. Por fim, alguns meses depois e algumas declarações como: “Eu não posso gostar dele”, ela não quis mais vê-lo daquela forma. E ele simplesmente aceitou. Não havia o que fazer. Pelo menos a boa música iria fazer com que ele superasse, nem que o forçasse a beber até nem escutar música alguma

Hiato

Da paixão à amizade.

Ela tinha acabado de terminar um namoro, e estava devastada. Ele então a levava para sua casa, bebiam vinho e dormiam juntos. Apenas dormiam. Sem nada a mais. Até que um dia:

  • Amo te fazer rir, garota, adoro seu sorriso.

Ela corou, e aquilo que tinha acontecido cinco anos antes, com beijos e declarações por parte dele, voltou como um golpe baixo, tiraram o alçapão e novamente no túnel da paixão ele se encontrou. E não podia fazer nada. Ela já tinha dito tantas vezes que nunca o viu daquela forma. Então. Afastou-se.

Desato 06 – Alguns bares 

Era um encontro comum num cinema para ver algum filme qualquer, que ele já tinha visto algumas três vezes. Ela era, inexistem palavras para explicar como ela era. Sabe, as vezes, e são poucas, você encontra pessoas que surpreendem de maneiras tão sensacionais, que fica difícil falar sobre elas, ou meramente pensar nelas, ou até, viver com elas. E a mulher que estava prestes a sair com ele era uma dessas pessoas.

Ele a havia conhecido tempos antes, já tinham se beijado, sentados em bancos da faculdade, ou junto às paredes antigas. Certa vez, até mesmo uma outra garota com quem ele costumeiramente saía, viu os dois em meio a beijos. 

Ela não é apenas um rosto angelical com detalhes cruéis de beleza e sensualidade, nem um corpo que apavora aqueles sem coragem para dizer um “oi”, além de todos os atributos físicos que apenas um Deus bondoso possuinte de seus favoritos, que a elegeu a principal dos seus, daria de bom grado, pois ela sabia bem como usar, ela também era brilhante. Já com seu escritório sem nem se formar, com seus trabalhos de conclusão que o título ele nem conseguia mencionar, com honrarias e genialidades que apenas poucas pessoas tinham. 

Naquela época o rapaz colocava algumas pessoas do seu lado que eram aquelas que ele conseguia conversar sobre o que quisesse, eram poucas. Por vezes, essa garota em especial, estava lá. Não era físico, era emocional, era troca de alma, era orgasmos da mente. Ele se apaixonou pelo conhecimento. Mas não negava que adorou cada parte do corpo. 

Saíram, mal viram o filme, já que ela havia dito que não o beijaria durante, mas ele queria provar que ela beijaria, pois beijou. Andaram por dois bares, um karaokê e terminaram na portaria da casa dela. 

Outro dia, outro convite. Ele não foi. Fim do físico, início do algo a mais. 

Desato 07 – Conversa:

Eram dezoito horas e cinquenta minutos. Uma mensagem de um antigo caso chegou em seu celular: 

“[18:50, 28/04/2020] Xuxu”

Disse como se o contato fosse contínuo, se conversassem todos os dias. Mas não, havia meses que não se falavam, depois de uma briga, por ela querer algo a mais e ele novamente não querer oferecer. Discutiram, ou algo assim, por ele sair com uma amiga e não com ela, e claro, por aparentar usá-la. Talvez não fosse por aí, ele se defendia, mas deixou transparecer que era sim. 

Num outro ponto, ela já tinha conclusões distintas e costumava demonstrá-las com força, não queria ter algo com ele, jamais quis, pelo contrário, se cansou de ser tratada como mero objeto e por isso desfez o que tinham, e mais, sentiu preguiça de lidar com toda aquela infantilidade exposta nas ações dele.

Noutra briga, ele elogiou várias mulheres de uma foto, ela se irritou e mandou um belo texto. Ele não respondeu nem se desculpou, apenas ignorou e seguiu a vida. Ela aparentava estar certa. Mas era apenas detalhe, ele não se importava e sempre deixou claro. Mesmo tentando atendê-la nas dúvidas sobre a vida:

“[18:50, 28/04/2020] c se culpa pela sua melancolia às vezes? Mesmo depois de tê-la abraçado como estado de espírito?”

“[18:53, 28/04/2020] Me culpava por tê-la aceito como parte de mim. Hoje a aceito, e tá tudo bem.”

Ele não demorou nem um minuto para pensar na resposta, sabia o que falaria. A culpa não existe, porque não é de ninguém, ele nasceu assim, pode muito bem tentar mudar e espantar, mas aceitou a condição que lhe foi imposta pelo universo, ou pelo seu próprio ser. Ela buscava mais:

“[18:54, 28/04/2020] E como foi esse processo? porque eu não consigo parar de me culpar k”

“[18:56, 28/04/2020] Doloroso e de muitas perdas. Amigos, família, amores. Me afastei de todos para focar em mim, ou pra não magoá-los de alguma maneira. Principalmente o segundo. Acho que eles não aceitaram bem. A melancolia e o vislumbre pessimista me fazem batalhar mais, e as vezes, a cair de maneira mais dura. Doeu, mas valeu a pena. A solidão acaba me entregando uma companhia que eu almejava naquele tempo. Amo cada um deles, mas precisei sempre de um tempo mais sozinho, e essa decisão, de abraçar a melancolia, me deu isso.”

Ela diz que entendeu mas apenas tenta terminar a conversa para não ouvir mais verdades dele. E são apenas isso, verdades dele. Há sempre uma dificuldade de compreensão constante à verdade, ou à fatos. Tudo é interpretação, então todas as possibilidades são verdadeiras, dependendo apenas do referencial. Para ele aquilo era a verdade, para ela podia não ser. Mas ela temia estar presa numa verdade irrefutável. 

“[18:57, 28/04/2020] Claro, entendo. Mas eu sou um ser sociável, mas ninguém quer ser sociável com uma pessoa depressiva”

Era medo da verdade dele, de ser sozinho. Não da vida dela, onde não havia esse perigo. 

“[18:59, 28/04/2020] Não se torne alguém que as pessoas querem por perto, tenha por perto as pessoas que queiram você.”

Frases clichês…

“[18:59, 28/04/2020] mas eu não me suporto sozinha” 

O drama de quem não suporta o próprio peso que carrega, a própria história, o próprio pensamento. Ele era assim, sempre falava mais do que os outros por não suportar ficar em silêncio consigo mesmo. 

“[19:00, 28/04/2020] Aprenda a se suportar. É base fundamental do amor próprio”

Ele não sabe se aprendeu. Mas aceita que precisou.

Ela pensa, e retorna, alguns minutos depois:

“[19:15, 28/04/2020] A solidão me perturba e acorda meus monstros. É frustrante tentar lidar com eles o tempo inteiro e se ver em uma batalha infindável”

As análises de boteco, nome dado por uma amiga para aquela besteira que ele fazia constantemente, podia dizer mais sobre ele do que sobre a pessoa analisada. Ela também dizia isso. “Quando João fala de Pedro, ele diz mais sobre João do que Pedro.”. Mas bem, qualquer conversa nesse sentido também era uma análise para ele também, que naquela altura já tinha desistido de psicólogos e afins. Então, soltou mais uma delas:

“[19:19, 28/04/2020] E que diferença fará outro do seu lado? A batalha é sua. E apenas sua. Enfrente seus demônios, vença-os. Peça ajuda para se curar, mas na batalha, será só você.”

Ela sempre tem respostas:

“[19:20, 28/04/2020] Ninguém quer estar por perto de uma pessoa que precisa ser curada”

“[19:24, 28/04/2020] Podem não querer, mas você continua precisando ser curada. Então continue batalhando, enquanto não estiver ninguém te curando, se cure sozinha, pois força você tem pra isso. Gandhi diz uma coisa fundamental pro seu momento: “Qualquer coisa que você faça será insignificante, mas é muito importante que você o faça. Pois ninguém o fará por você.”. É você por você. E quando passar, ou quando aprender a lidar, se quiser compartilhar lutas com outras pessoas, abra as portas e as chame, é sim possível ser feliz sozinho.”

Ela não se cansa:

“[19:29, 28/04/2020]  Você tem mais fé em mim do que eu tenho em mim mesma.”

“[19:30, 28/04/2020] E é esse o problema. Tenha. Confie. É o que você precisa.”

O que ele não daria por uma bebida agora, o papo dos novos treinadores de mentes, ou coachings, sempre o dava uma vontade de se embebedar. Mas as vezes funcionava. E ele não deixaria de tentar qualquer coisa para melhorar o dia daquela pessoa.

Ela percebeu, ou só buscou um caminho já determinado por ele:

“[19:31, 28/04/2020] E vamos à meta de achar livros de autoajuda que podem me fazer encontrar a resposta.”

“[19:33, 28/04/2020] A resposta não está em livros, nem áudios, nem textos. Está em você mesma, e o melhor caminho para encontrá-los é análise, constante. Psicólogos, psicanalistas, o que seja. De algum jeito, lá, você acha a maneira perfeita para você. Não é cura eterna, mas é uma melhora infinita.”

Nesse momento, a única vez que a verdade dele poderia ser também a verdade dela, que um conselho nessa conversa foi bem dado, que ele fez a coisa considerada certa por dez em cada dez agentes da saúde num momento de crise de algum paciente: Indicou ajuda profissional. A melhor parte de ficar sozinho, para ele, foi aprender que não pode salvar todo mundo. 

Como o rapaz que escreveu mil mensagens numa rede social dizendo que iria se matar, ele foi ao auxílio e tentou impedir, disse que estava ali, e que o mundo precisava do rapaz. Uma semana depois, o rapaz pediu ajuda em mensagens, precisava de dinheiro para algo. Ele não tinha como ajudar. O rapaz reclamou, não entendia o porquê no desespero da busca da morte havia apoio para não fazê-lo, mas na necessidade da vida, não possuía. 

Ninguém entendia. Achismos apenas. Pois tudo ainda era interpretação. Talvez no ato mais forte contra a vida, fiquemos mais sedentos por ela, enquanto nas necessidades mais vorazes contra a morte, não liguemos tanto para a possibilidade. Quando nos deparamos com o caminho que finda a vida, precisamos de mais tempo, porém, quando é a própria necessidade de vida que nos aparece pelo caminho, a negamos.  Queremos, portanto, viver quando quase não mais podemos.

Assim, quando sozinhos estamos, buscamos a solidão, e vice versa. Alexander Supertramp sabe bem como isso é, enquanto em família, buscava a felicidade solitário no Alasca, quando só, no meio ao deserto de gelo, descobriu que, segundo ele, “A felicidade só é real quando compartilhada.”. Queremos o que não temos pois não sabemos como é. 

A dúvida, então, é o melhor dos prazeres, e porquê não sozinho, para descobrir todas as respostas.

Hiato – Da escrita

Noutra conversa, com outra pessoa, uma análise o fez alegre naquele período confuso, desconexo e solitário:

[03:39, 25/04/2020] Acho talentoso alguém conseguir extrair elogios de uma pessoa que não os tem. Agora, sobre a escrita, você sabe que sabe o que faz. A gente lê com leveza, ainda que seja algo pesado e você consegue transmitir sentimentos, que é o essencial.

A mania de querer elogios para sua escrita era engraçada, odiava tudo que escrevia, ou a maior parte, mas detestava quando críticas apareciam, seja pelo português patético ou pela repetição de palavras constante. 

Mesmo assim, e mesmo com medo, continuava escrevendo. Gostava dos elogios, e sabia que eram falsos. Ou achava.

Desato 8

São os detalhes que constroem o gostar, ou como costumavam chamar, o carinho imenso, que chega a doer. Nada está nas grandes provas de amor, mesmo que crie um apreço, aquela corrida por um aeroporto para encontrar a sua cara metade, a deixando completamente louca por você, serão, apenas, os detalhes que a manterão por perto.

Tinha o pensamento que o amor era finito, pois tudo podia, inclusive e principalmente, acabar. Enquanto a paixão, era apenas uma faísca, que durava segundos. 

Como Bukowski, que admitia o amor como o sol numa manhã nublada, indo embora nos primeiros raios de realidade, assim era o que ele considerava paixão, o que foge e escorre pelos seus dedos quando a primeira oportunidade surge no horizonte. Amor, talvez, demorasse mais para ir embora, algumas horas, dias, meses, anos. Mas sempre se encaminha para a porta, correndo e se escondendo das possibilidades para além. 

Assim, exatamente assim, era aquela mulher, fugida de amores encontrados, uma adoradora de fins e criadoras de inícios belos. Ele não negava, cada começo era especial. E foram alguns. Os fins sempre viam com despedidas e pedidos, de não mais procurar, de não mais conversar, de não mais ligar. Porém, os inícios, eram lindos. Podem chamar de recomeços, mas não era exatamente isso. Eram mesmo inícios, sempre uma novidade, sempre algo a mais. 

Da última conversa aquele detalhe, ela ouvira alguém dizer algo, e se lembrou imediatamente dele, algo como “Eu me apaixono por cada uma delas…”, disse então que aquelas palavras saíram da boca dele, com a mesma expressão, de surpresa, e principalmente mesma intensidade. Ela dizia que ele tem a mesma capacidade de se apaixonar por mulheres que o autor da frase. 

Ela encaminhou novamente o poema, com aquelas pitadas de crueldade que ele gostava tanto, Pontas sádicas e tentativas de se mostrar acima, ele não esperava coisa diferente. No poema ela relembrava que estava se deixando. Um pouco, um relance. Alguma foto. E uma história, daquelas onde o cara não fica com a menina. Lembrou que ele nunca a chamava pelo nome.

Ele achava engraçado essa última parte, e sempre mentia quando respondia. Ele não a chamava pelo nome porque se o fizesse tornaria tudo real, e assim, a paixão iria embora. Pois, em sonho, e nos personagens que ambos criaram uns para os outros, era tudo perfeito, mesmo com as imperfeições.

Era um carinho imenso que chegava a doer. Não havia melhor explicação. E mesmo ela gostando tanto de finais, acabando por repeti-los, não pôs um nesse, não nesse carinho. Não nessa história em particular. 

O retorno foi numa madrugada fria e sem sentido, ele perdido, tentando encontrar seu maço de cigarros e com uma garrafa de uísque na mão, sozinho em casa pensando em formas de se embebedar assim que aquela bebida acabasse. Veio por e-mail. E assim que recebeu, lembranças o acompanharam. 

E ele voltou para os detalhes. Como a primeira vez que a viu, ela estava olhando para os lados como se o procurasse, encostada na parede. Ele reluta, mas não consegue se lembrar como ambos estavam vestidos, principalmente por não conseguir, naquele dia, tirar os olhos dos dela. Eram de alguma maneira, reconhecíveis, ele podia se ver ali, podia entender tudo, podia viver de alguma maneira única.

Detestava nos filmes de romance as personagens se declarando para seus pares românticos sempre dizendo como eles os faziam se sentir. Naquele momento ele entendeu o porquê. Mas continuou odiando, e relutando para não cometer o mesmo erro. Pois a questão toda é essa, ao gostar, não devemos falar de si, mas sim, do outro. E nesse ponto chega-se, novamente, aos detalhes. 

O levantar das mãos pedindo pra ele falar mais devagar, o encostar no braço, o toque na mão. O jeito de servir bebida, ou de se dispor a ir buscar mais uma, a risada, o sorriso, de Elis, como ele chamava, a comparando a maior intérprete da música brasileira. Detalhes como quando ele a encontrou de costas, pousou a mão em sua nuca e ela o fez carinho com a cabeça. Detalhes como o carinho em suas costas nuas. Detalhes como a crueldade de comentários ou o pedir um cigarro, colocá-lo na boca e esperar ser aceso por ele. 

Detalhes como carinho no rosto, quando na cama, num quarto escuro, sentindo com os dedos. Detalhes como criticar o não conversar durante algum tempo, ou brigar por só conversarem a noite. Detalhes, como ele finalmente aprender que ela não queria sentir aquilo por ele, e que poderia muito bem sentir por outro alguém logo em seguida, pois era isso, ele estava apaixonado por ela, pelo que ela era, e não só pelo modo que o fazia se sentir. Pois, naquele momento, nada dizia respeito a ele.

Detalhes como tentar explicar para si mesmo, e pelo menos para si mesmo, entender. 

Numa conversa, de algum tempo antes do retorno, ela disse que ele a tinha, de alguma maneira. Ou ao menos, tinha tomado algo dela. No fim, percebeu que havia tomado o medo, dando de alguma forma a liberdade que ela buscava. Nada como super-herói, ou algo próximo a isso. Nada de tão importante. Ele não se sentia assim, nem um pouco, e ainda imaginava que era tudo mentira, apenas palavras para que ele se sentisse melhor, pois seria exatamente assim que ele agiria, e veio a agir tempos depois. Apenas outros detalhes. 

Hiato

O frio continuava a incomodar, mas ele não se levantava do sofá. Usava uma caneca antiga como cinzeiro, que já estava quase cheia de bitucas, mesmo tendo sido esvaziada dois dias antes. Num copo de vidro, uísque e gelo. No som tocava The Kinks, era madrugada, já passavam das três. A casa inteira estava escura, e cheirava a fumaça. Ele esperava que fosse do cigarro, caso contrário, a morte chegaria daqui algum tempo, pois levantar dali não era uma opção, 

O notebook à sua frente mostrava conversas antigas com algumas pessoas. Disso veio uma comparação e demonstração, esta, mostrava claramente como ele sempre tratava aquelas que estavam a sua volta como prioridade, e como aquilo durava pouquíssimo tempo. Explico, quem quer que seja, estando com ele, era especial, única, fantástica, brilhante, perfeita, por cerca de duas semanas, até outra surgir, imensurável, incomparável. Quando sozinho, aquelas que haviam passado retornavam como a perfeição, ou então, quando elas não o via da mesma forma, a sua vontade de amá-las voltava. 

Quanto a comparação, ele percebeu que duas delas tinham dito exatamente a mesma coisa: “Você nunca vai gostar de mim como gostou dela.”

E a verdade era essa, ele bem possivelmente nunca tinha gostado de nenhuma das duas, mas sofrido pelo fim dos dois romances por um ego inflado e vontade de ter pra si todas as mulheres do mundo. Era essa infantilidade que o fazia usar da manipulação barata, ou citar constantemente tentativas de autoextermínio. Dramas infinitos, sarcasmo e ironia também eram máscaras e armas utilizadas pela sua arrogância e prepotência. 

Porém, ele continuava se enganando e mantendo pra si que se apaixonava por todas as mulheres que passavam pela sua vida. Acaba que se tornava verdade. Sem a conversa de que quem ama todos na verdade não ama ninguém. Ele apenas não sabia ainda, que ser solitário era uma dádiva. Mas estava aprendendo, e enquanto fazia, admirava a companhia de alguém, sempre que podia. 

 

Desato 9 

Ele estava do lado de fora de um bar, fumando. As pessoas ali dentro falavam alto e estavam debatendo o cenário político da época, ele não tinha o menor interesse naquilo, ninguém dali tinha ido a nenhuma manifestação naquele tempo, mas continuava rechaçando o presidente sentados e bebendo. A facilidade daquilo era tremenda, o que o incomodava, não fazendo com que ele fosse a alguma manifestação, mas por outros motivos, tendo como principal, não acreditar na democracia, preferir uma anarquia ou meramente uma ditadura distinta daquela que se espelhava na opinião da maioria (já que a maioria, infelizmente, é burra). 

Então ela passou por ele. Seu cabelo vermelho estava preso, sua jaqueta de couro justa. Ao passar, olhou pra trás, olhos nos olhos. Ele riu. Apagou o cigarro e sabia que ela iria lhe mandar uma mensagem mais tarde. 

A tinha conhecido a algum tempo, ganhou uma aposta com o primo pra conseguir o telefone. Mandou algumas mensagens, mas ela respondeu educadamente que não queria nada naquele momento. 

Meses passaram até que ela passasse por ele na porta do bar,

O chamou para conversar. No dia seguinte se viram no mesmo lugar. Conversaram por horas. Ele perguntou se ela preferiria que ele a beijasse de surpresa, ou pedisse permissão antes. Ela escolheu de surpresa. Ele obedeceu. 

As conversas eram constantes, e sobre diversos assuntos. Da profissão dela, modelo, aos livros dele. Das músicas à escrita. Da leitura à dança. Foram juntos a festas, a encontros, a coquetéis, teatros, museus.

Terminaram no mesmo lugar. Pouco tempo depois. Do jeito que começaram, completamente do nada. Ela não fez a menor diferença na vida dele, porém, ele gostava de imaginar que tinha mudado a vida dela pra sempre.

Hiato

O interesse que veio a seguir lhe bateu como um soco na boca do estômago, tirou seu ar, mas entregou um novo motivo para buscar a fonte da alegria. A irmã da mulher, também modelo, engraçada, estudiosa… Linda. Mais nova, com o doce ar da juventude, aquele brilho no olhar que qualquer graduação suga, e que todo trabalho não permite ter.

A cada foto postada numa rede social, um suspiro. E certo arrependimento, parece que a irmã errada tinha aparecido em sua vida. Sabia que não era assim, mas gostaria muito de poder ter ao menos tentado conquistar a outra. Aquela que considerava mais bela… Ou era apenas a rejeição sofrida gritando mais alto.

Desato 10

Quantos casos criam uma história de amor, com quantos encontros um caso se transforma num romance, com quantas histórias uma vida é contada. Nunca saberei a resposta para nenhumas das indagações acima feitas, mesmo sem a pontuação apropriada, saiba que são dúvidas que rasgam minha alma em noites mal dormidas.

É possível que uma história de amor tenha alguns casos que se entrelaçam. Alguns amores que atravessam a história principal de algum casal que precisa, para o equilíbrio universal, ou apenas dos dois, terminar junto. 

E nesse ponto o terminar que se torna interessante, engraçado finalizar uma história impondo-lhe que este apenas será aceitável se o fizer com uma outra pessoa. Específica, dentre bilhões de outras. Mas sim, terminar com outra pessoa, não qualquer uma, mas com aquela, especial, é o que traz a felicidade alcançada, e essa história, de como começaram, cresceram, se apaixonaram e ficaram felizes para sempre, que é, por vezes, acometida de demasiados outros casos.

Numa história entre duas pessoas há várias possibilidades, o rapaz possui inúmeros casos, nenhum caso, alguns casos, encontra a garota, se casa. O mesmo para ela. Ou, o rapaz possui um amor, vive um caso, que depois se transforma em amor, a moça vive sozinha, encontra um caso, e se casa com seu irmão. Como dito, inúmeros.

Mas os meus preferidos são os casos que aparecem na constância de algum amor. O casal se ama, mas a monogamia é lei, regra, fato. Não há, nesse relacionamento, sentimento maior que a posse, ele é dela, ela é dele. E fim. Se amam, ora. Seria diferente? Há de ser diferente? Amor não é cuidar, dar carinho, ser fiel? Sim. Possivelmente sim. Porém nesse ponto a fidelidade é onde há discordância. Não o pedido de ser fiel, mas o conceito e entendimento do que é ser fiel. Fidelidade pode ser, simplesmente, permanecer amando uma pessoa intensamente, mesmo que entregando seu corpo para outras. 

Ele não tinha nenhuma intenção de namorar, não naquele ponto, não naquele momento. Até que alguém apareceu. Especial. Ela lhe deu a mão e disse que estava ali. Por ele. De alguma maneira. E houve reciprocidade.

A história continua. Ela continua. Ele continua. Beijos aqui, beijos ali, encontros, namoros. Os pares de ambos nunca se viram. Eles sempre. Ele finda. Ela continua. E outro beijo, o último, dentro de uma sala antiga de um prédio antigo. Para selar de vez, e demonstrar que, mesmo permanecendo contínuos amantes, a história de amor, não era a deles.

Hiato

Estou vendo aquela pessoa parada na pista de dança. Seus anéis nos dedos são prata, exceto o posto no menor, preto, mas ainda assim, metálico. A roupa preta pode dizer muito sobre sua personalidade, ou não. Nunca entendi muito bem como funcionava a cor na vida das pessoas, soube certa vez que azul era tranquilidade, vermelho trazia fome, é possível? Então, preto seria melancolia. Possivelmente. 

Gosto de melancolia, dessa tristeza. Será que é triste? Impressionante, toda vez, só me interesso por pessoas tristes. Ok, continua ali. Será que eu devo ir? Não sei. Esse medo de me aproximar de alguém sempre me preocupa também. Vai gostar de mim, vai querer algo, vai ter o que eu quero? Crio expectativas demais. Minha nossa, quem fala pista de dança. Parece que tenho quarenta anos. 

Como que alguém parado sem fazer nada, apenas segurando uma garrafa de bebida na mão, pode me fazer ter tanta vontade de beijar. Não fez absolutamente nada, não disse uma palavra. 

Acho que me viu. Está olhando pra mim, vou olhar de volta. Tá vindo pra cá…

Beijo.

Novamente não disse nada. Sinto as mãos molhadas pela cerveja derretendo na minha nuca. A outra passa pela minha cintura. Me pressiona contra seu corpo com certa voracidade. Controla o beijo. Primeira vez que eu não controlo o beijo. Morde o lábio, com sutileza, parece que possui medo de rasgar, mas vontade ao mesmo tempo, demonstra força e controle. 

Termina o beijo com um mais simples, sorri pra mim. Saiu.

E os meus pensamentos não, eles ficaram comigo, olhei pra trás esperando algo em troca, que continuasse, que voltasse, que me beijasse mais uma vez, que me levasse para casa, que concluísse, que me explicasse o que eu estava sentindo e porque aquilo tinha sido tão bom, se ao menos sabia que tinha tido tanto significado pra mim, se eu era algo, ou apenas mais uma boca naquele lugar.

Nada. Nem um olhar na minha direção. Apenas sumiu no meio daquela multidão. Alguns amigos riram daquele beijo, ou talvez do jeito que fiquei sem reação esperando o retorno, outros perguntaram se estava tudo bem. 

Não está tudo bem, algo aconteceu, e não sei explicar, foi maior que eu, maior que todos, maior que tudo. Só quero mais uma bebida. Vou ao banheiro. Não quero pensar, que tipo de pessoa passa por você, te beija e te leva com ela, leva toda sua sanidade com apenas um beijo. Eu queria mais do toque. Foi só um beijo.

Pela primeira vez, beijo alguém, e não fico com a boca borrada de batom em uma boate.

Desato 11

O passado é uma roupa que não se veste mais. Mas rever o que construiu, o que reconstruiu e o que pode ser construído, são vestimentas essenciais para o estilo próprio. Em estilo, leia-se amor, autoestima. 

Havia alguém num passado recente que ele fora interessado. A impossibilidade na época era evidente, por diversos motivos, ele se achava insuficiente, a ideia inconcebível, mas a vontade daquele tolo apaixonado nunca esquecera a mulher que residia em seus sonhos.

Por vez ou outra sabia dela, procurava saber, perguntava tentando parecer desinteressado para alguns amigos. Não sabia se dava certo. Não negava que ficou surpresa com a notícia do namoro dela, pensou que podia ter sido ele. Mas não iria se entregar tão facilmente. Buscava saber se ela ainda permanecia namorando, desrespeitar a responsabilidade dela, por outro alguém, ele não faria. 

Mas foi, por tempos, em vão. Não havia brecha, possibilidade, conversa. 

Depois, pautado novamente pela vontade que não mudara, jogou todas as fichas. Buscou todos os meios, entregou todas as cartas. 

Conseguiu um encontro. Comprou bebida, pensou num filme. Não viram. Conversaram e riram. Uma risada que ele não dava a meses. Clara e simples. Foi direto. Queria aquele beijo, sentir aquela boca, tocar aquele corpo. Já vira a beleza extenuante e se impressionado mais uma vez. A beijou. E se derreteu, já que estava, segundo ela, incinerado. Sentia-se assim.

Houve esperança de outros encontros mais. 

Desato 12

Era pra ele estar na praça, onde encontraria a moça, às 20hrs. Eram 19:32 e não havia passado o seu ônibus. Esperou mais oito minutos. A rua estava vazia naquele sábado. Estava escuro e ele preocupado. Não aguentou. Desbloqueou o celular e chamou um carro por aplicativo. Chegou dez minutos atrasado, mas ela também estava.

Quando apareceu, estava com seu cabelo menor, ele reparou, mas não comentou. Educação sempre. Era a primeira vez que se viam fora aquela Bienal do Livro. Venderam até razoavelmente bem. Conversaram lá e marcaram de sair. Ele nem folheou o livro dela. Mas imaginava que era bom. Disse alguns elogios baratos, em questão de leitura, gostava mais de romances, biografias, estava apaixonado em um livro que levava o leitor para a cidade que ele morava, junto com o estilo musical que amava, livros de poesia ele escrevia, lia só escritores que já amava, não costumava conhecer novos. A não ser, quando queria impressionar alguém.

Em casos futuros acabou se admirando por outras escritoras, e estas sim, impressionaram também pela qualidade da escrita. Ele tinha mais problema com o fato de ela ser conhecida, relativamente famosa. Enquanto passava de um escritor meia boca, ela já estava consolidada e crescia sempre no que criava. 

Contou o porque o cabelo diminuira, nada de corte, apenas perdeu o megahair no metrô. Ele segurou a risada, e só a soltou quando ela também o fez. E depois perguntou o que diabos (insira um palavrão aqui) era megahair.

Explicado, a levou para o bar que gostava no centro da cidade. Subiram ao segundo andar do prédio e se sentaram. Ele pediu uma cerveja e ela um suco de laranja. Ele se surpreendeu, ofereceu cerveja, ela tomou um gole, e fez careta. Percebeu que era a primeira vez dela com aquela bebida alcoólica. Ele pediu uma dose de uísque. Ela pizza.

Conversaram. Na verdade, ela apresentou seu monólogo e ele ouviu atentamente. Algumas tentativas de beijo eram feitas, enquanto ela continuava a falar. Trocaram carinhos, chamegos. E ela continuava contando sua história. 

Hiato

O telefone dele tocou, pediu licença, saiu da mesa e atendeu, numa festa a alguns quilômetros alguém gritava uma música incompreensível, e dizia, no fim de cada verso: “Eu queria que você estivesse aqui”.

Ele ouviu um copo quebrando: “Droga, acho que vou ter que pegar outra bebida.”

Perguntou se estava tudo bem, ela saiu do barulho, foi para algum lugar mais calmo e disse que sim. Apenas saudade, imensa saudade. Ele disse que era recíproco.

“Meu Deus, é minha música… preciso desligar, te gosto, tchau!”. Ele riu, e voltou pra mesa.

A escritora perguntou se estava tudo bem, com olhar sério ele disse que sim. Sentou-se ao seu lado na mesa, se beijaram, silêncio na mesa, por alguns minutos. Um mundo de pensamentos na mente dele. Preferia preferir o silêncio. 

Desato 13

A criação era o que o mantinha bem. Não conseguia trabalhar naquele escritório quando era apenas mecânica, sistema, planilhas. Gostava de criar, escrever histórias, argumentar. 

Se lembrava que num trabalho anterior, onde um amigo também trabalhava, era frequentemente comparado. Uma vez que o outro fazia vários, e ele, nenhum. Mas não se importava muito. Quando ficava acomodado, não crescia. E de odiava isso. Mesmo amando a comodidade. Ele não sabia muito se gostava.

Essa criação fez com que inventasse um álter ego, escrevesse sobre essa persona, todas as qualidades, mas principalmente, todos os defeitos. Não foi talvez uma criação, era apenas um desabafo. Ele tentou jogar tudo que não gostava, tudo que odiava, em si mesmo, numa história, e por fim, matar a personagem.

Mas, no meio do texto, percebeu que gostava sim daquilo tudo, das histórias brilhantes, dos amores infinitos, até onde duraram, das brigas, das mulheres. 

E no arrependimento de ter matado aquele que o representava, escreveu mais. Disse mais. Criou mais. 

Era engraçado ele sempre mostrar seus textos para suas amantes, numa vez, uma delas disse em alto e bom som: “Virarei mais uma das mulheres do seu livro”. Aquilo o incomodava. Ser confundido com a personagem que criou, mesmo que inspirada livremente em sua personalidade, ideias, ideais, vontades.

Uma antiga namorada o criticou: “Você estava parecendo o personagem que criou… Não gosto dele.”. Outro amor xingou: “Eu não gosto desse personagem, não é você.”.

Aquela garota, que ele era apaixonado, foi a única que entendeu sozinha que eram a mesma pessoa. Que não havia diferença. Que ele apenas queria matar aquilo que odiava nele mesmo. E não conseguiu. Ela entendeu. E amava ambos.

A outra, sabia que era mais íntimo, mais próximo, mais profundo. Ele amava aquilo.

Talvez a personagem tenha morrido, tenha se perdido, sumido. 

 

Hiato

Ela tinha câncer. Engravidou e perdeu o bebê. Amava a distância e amava sexo. Ele destruiu alguns sonhos da vida dela. Ele foi uma péssima pessoa. Ela se apaixonou. Não só por ele. 

Tinham amores em suas cidades, quando ele começou a namorar, se afastou, mas não a tratou bem, não foi honesto, nem bom. Ela se magoou. Sumiu. 

Algumas vezes por mês, voltava. O chamava. Apenas conversavam, pouco. Ela dizendo o quanto ama o novo namorado, ele se lamentando de nunca tê-la visto pessoalmente. Paixão de verão, ligações durante a noite, vídeos, risadas, sotaque. 

Ela era apaixonante. Ele continuou devastado por nunca saber dar valor. 

Desato 14

É possível que a bebida seja o que uniu ele ao seu pai. Aquele que lhe colocou no mundo, casado com sua mãe por duas décadas, que amava seus filhos, e ainda mais, amava um bar.

As aparências são próximas, ele parecia muito com seu pai. Nos gostos também, pela bebida, pela solidão, pela mania de se afastar, pelos bares, pelo uísque, pela cerveja, pelos comunistas e principalmente pelas mulheres;

Amavam as mulheres.

Numa noite estavam na cidade do pai, ele com seu primo, foram ao encontro daquele senhor, e aproveitaram para beber; 

Pediram a cerveja favorita, falaram de política e mulheres, no meio da noite, uma declaração: “Eu admiro muito o seu avô”.

Não era do próprio pai que falava, mas obviamente o admirava também. Esse homem era respeitado. Falava do pai de sua ex mulher, seu antigo sogro.

“Eu respeito ele muito, pra mim, tá no mesmo nível de Churchill”.

Ele era constantemente comparado ao avô, pelo jeito truculento, por ser casmurro, grosso, engraçado de alguma maneira. Seu avô era infinitamente respeitado.

Quando seu pai disse aquilo, estava completo. Era o espelho dos dois homens que mais admirava. Tinha se tornado aquilo que mais queria. 

Recebeu uma ligação, uma mulher o chamava para sair.

Disse ao pai e ao primo que logo voltaria. Encontrou com a mulher, transaram num beco, mal conversaram. 

Voltou à mesa aos xingos do primo, que não acreditava naquilo. Como ele levantava da mesa do nada, abandonava seu pai, e voltava como se nada tivesse acontecido, e para ele, nada tinha.

Desato 15

Era um dia quente, ele mandou mensagem para ela apenas por tê-la achado linda. Ela respondeu rápido, conversaram um pouco, e confessou que tinha namorado. Ele não incomodou mais. Já estava envolvido com alguém namorando, sabia bem como era ser amante, não queria uma outra experiência naquele momento.

Passou o tempo e ela reapareceu. Agora no fim do ano. Estava frio. Conversaram por três dias e resolveram sair para beber. Foram ao bar que ele gostava. Ela pediu vinho, ele cerveja. Depois, foram ao cinema que ele gostava. Não viram o filme. Ela então o levou no restaurante que gostava. Pediram comida.

Na semana seguinte era o aniversário dele. Ela apareceu de surpresa. Disse a mãe dele que iria cuidar e fazê-lo melhorar.

A mãe riu da falta de inteligência ou imensa confiança da moça.

No final de semana foram a uma boate com um casal de amigos dele. A namorada disse pra garota tomar cuidado, pois ele era mulherengo. Ela aceitou, disse inclusive que aceitava, mas que queria ele. 

Aquilo o assustou, encontrou um limite.

Dias depois ela quebrou a perna. E cobrou que ele estivesse com ela. Ele nunca mais apareceu.

Ela sim. O chamando para irem a igreja. Não obteve resposta.

 Desato 16

Ela retornou o chamando, contando sobre um texto que havia escrito sobre ele, algo mais ou menos assim:

“Eu não sei em que momento você se tornou real

Era só uma figura

Imaginação no tédio 

Aos poucos você foi ganhando voz

Olhos

Tom

E corpo

Presença 

Era só uma bobagem qualquer

Uma aposta

Um jogo

Quando eu percebi

Eu estava pegando um avião 

Torcendo pra você chegar

Esperando você dizer

Querendo que você me tocasse

Te emprestei um pingo de esperança 

Um pouco de vulnerabilidade 

Mas só um pouco 

O resto eu guardei na mala

Tô levando comigo

E me deixando 

Só um relance 

Uma estória qualquer 

Uns textos idiotas

Uma ou outra foto desfocada

Uma cena de filme

No qual a menina não fica com o cara

Ela conclui que é melhor ignorar

Escreve uma ou outra coisa

E o que resta, deixa o tempo levar

É engraçado como você me chama de muitas coisas

Mas não fala meu nome

Do que eu chamo no seu cenário?

Aquele que você criou sozinho

Nos emprestamos como personagens

Para nossos delírios individuais”

Ele não negava que havia sido um delírio magnífico, se lembrava, inclusive, do que dizia Antônio Lobo Antunes, escritor e psicanalista português, sobre o amor: “Uma coisa é o amor, outra é a relação. Não sei se, quando duas pessoas estão na cama, não estarão, de fato, quatro: as duas que estão mais as duas que um e outro imaginam.”

Nos apaixonamos pelo que inventamos do outro, e principalmente, pela forma que nos deliramos com aquele. É o amor, um infinito amor próprio inventado e espelhado no outro. Aquilo era um carinho imenso. Nada mais. Admiravam-se, como eles mesmos. Mesmo ele não acreditando tanto na admiração dela. Falta, então, de amor próprio. 

Mas adorava a parte cruel do texto, o cenário que ele criou sozinho. Era a esperança, mas não bastou. Ela só voltava para dizer o quanto sentia sua falta, mas não ficava para matá-la. Talvez por não conseguir dizer adeus por mais uma vez, ou, por estar com tédio o suficiente apenas para uma pequena conversa.

Desato 17 – Saudade

saudade

substantivo feminino

  1. sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas (freq. us. tb. no pl.).
    “s. de uma amiga”

                       (…)

Da dor no peito de não ter mais seu corpo entrelaçado ao meu, do sentimento da falta do repouso de sua cabeça no meu peito, do não conversar diariamente e ligar constantemente, passar noites sem dormir, apenas se deliciando com o som da sua voz.

A palavra que não existe em nenhuma outra língua, dizem, claro. Não sei se seria possível explicar de maneira melhor do que utilizar essa simples palavra. Saudade. Três sílabas, sau-da-de, sete letras, s-a-u-d-a-d-e, três consoantes, s-d-d, e quatro vogais, a-u-a-e. Simples, completa.

Talvez seja mais do que uma palavra, se foi o povo brasileiro que a criou, como nos conta a história, não poderia ser apenas o que explica um sentimento de falta, tem também o jeito brasileiro, ali, incluso. 

Tudo que o brasileiro inventa tem seu toque cultural, do avião ao samba. Até o futebol, criado por ingleses, tiveram toda uma mudança em solo tupiniquim. 

E é isso, o brasileiro sabe sentir falta. E sabe ser melancólico. Mesmo sendo um país alegre, podemos chorar facilmente, até no carnaval, até no futebol.

Saudade é sobre sentir e não se esquecer. É uma vida no passado. É saber que aquilo ali, lindo, não voltará. Ela mesmo tinha dito, certa vez. 

Ele estava sentindo aquilo por ter sonhado com ela, que no sonho havia voltado, e tinham se beijado. Ela traindo o namorado. Acordou assustado. E não quis voltar a dormir, por medo de acordar novamente. 

Hiato

Pensavam que ele era um melancólico solitário, arrogante e prepotente, que via em mulheres uma possibilidade de súplica, de redenção, que quantas mais conquistadas, melhor, já que assim, ao demonstrar pra uma que ele era correto, no mínimo, todos seus pecados se redimiriam. 

E todos estavam certos. Mas principalmente aquela mulher de cabelos curtos que possuía uma mania de sempre saber mais do que ele. 

Talvez era por isso que se apaixonara, ela sabia tanto e ele tão pouco. Dizia tão abertamente sobre os amores que passaram, e tão mal sobre aquele último, quando relembrava o que ele achava sobre os dois, quanto a casar e procriar.

Ela lia o mundo de um jeito que ele ficava admirado. A paixão o corroia e a saudade o massacrava. 

Acontecia com o melhor dos homens na vida, com ele, duas ou três vezes, por ano.

Acertaram também quando analisaram que ele amava o que escrevia, que escrevia apenas para si mesmo, que queria desabafar, e era verdade. Amava ser odiado, mas ainda mais ser idolatrado. Mas, acima de todas as coisas, era seu escritor favorito. Impressionante o jeito que conseguia se entender quando explicava alguma coisa, fantástico como gostava do som da própria voz. Brilhante ser mencionado como aquele que ouvia e olhava para mulheres como se compreendesse tudo

A verdade é que ele não compreendia nada, apenas fingia pra si mesmo, o que considerava ser de estupenda inteligência, como manter uma conversa sobre Francis Bacon se nunca nem leu uma vírgula desse sujeito, ou debater sobre o Nazismo, mencionando o Mein Kampf de Hitler sem nunca tê-lo em suas mãos. Brilhante. Se achava sensacional, mas ainda precisava que os outros achassem. 

Pobre tolo.

Desato 18

As paredes do quarto gritavam poesia,  e este era o elogio que ele mais gostava de fazer. As chamava de poesia quando tinham uma beleza incomum aos olhos do homem médio, uma particularidade incompreensível aos tolos, e claro, eram artistas acima de qualquer coisa. Entusiastas da palavra, como alguma se chamava.

Esta não lia mais as besteiras que ele escrevia, sentia saudade, algo assim. Enquanto outras se perdiam nas palavras e mantinham uma paixão acesa. Destas ele procurou uma, Finalizaram tudo a pouco tempo, e na saudade, numa madrugada, com rum no corpo e ideias na mente, buscou ressuscitar. Em vão. Ela não quis; Apenas disse para esquecer. Semanas antes ela que o havia procurado, dizendo que ainda o amava. 

Essa ainda mantinha poesias em suas paredes, pinturas e fotos de amores, poetas, poemas, beleza incontável de um ser magnífico. 

Não fazia sentido o que ela estudava, era artista de alma e corpo, usando do corpo para fazer arte, e da alma para criar e remodelar o corpo. Aquela beleza ele não entendia. 

Sempre queria contato. Humano. Ou virtual. Ele não conseguia entregar. Não era muito, ele apenas não sabia manter, manter a beleza inspirada naquelas primeiras conversas. A conquista tinha que ser constante.

Lembrou-se do que escreveu Domingos de Oliveira sobre o amor, era como um objeto, que se gosta muito, e por isso se protege, cuida, embrulha, trata com carinho, para que não se danifique. Talvez amor seja isso.

Neste tempo mudara de opinião tantas vezes sobre o amor, com tantas pessoas diferentes, sabia que amar era imprescindível, mas não sabia se sabia amar.

Talvez Freud explique.

Ela ressignificou o sentimento, o que ele não entendia, pois não havia feito o mesmo Ainda era algo crescente, que estagnou. Por culpa exclusiva dele.

Hiato

Enquanto escrevia sobre aquela dos atos, havia um copo com uísque, sem gelo, claro. Uma garrafa pela metade, daquele que comprou na promoção. Uma garrafa de rum no chão, de algum pirata qualquer, refrigerante na geladeira para beber com o rum. 

Tinha um maço de cigarros cheio e um restando alguns quatro ou cinco. E também o cachimbo que a melhor amiga o dera de presente, depois que o primeiro ficou no chão de uma avenida no centro da cidade após uma briga numa tentativa de assalto fracassada.

Ele saíra com alguns hematomas, mas com histórias pra contar. Então não importava.

Usava o isqueiro zippo para acender o cigarro, e fósforos para o cachimbo.

a coluna ficava em formato curvo, e doía.

O uísque esquentava o peito, naquela noite que estava fria a ponto de fazê-lo não sentir os dedos que batiam na tecla do computador.

O cinzeiro improvisado numa caneca antiga sem alça estava cheio de cigarros, de onde saia uma fumaça do último que tinha apagado.

Pensou num fragmento que escrevera a tempos:  “O amor é um cigarro, que queima num primeiro momento, se apaga e deixa apenas dor para aqueles que o consumiram.” 

E naquela comparação: “Ele se comparava com o cigarro, nesses aspectos. Objeto. Utilizado. Aqueles que se importam com o mau causado não usam. Aqueles que não se importam, utilizam ao bel prazer, e jogam fora quando o fogo para de arder. Seria então, Ele, um cigarro nas mãos daquelas por quem ele se apaixonara? O fogo ardia, num primeiro momento, depois se apagava e só deixava o caos.”

Metáforas.

Desato 19

Dos desejos mais puros e divinos, uma mensagem no aplicativo era o maior. Enquanto os antepassados esperavam por uma boa caça, uma grana, uma riqueza, uma terra ou, no máximo, o dinheiro para comprar comida no fim do mês, ele apenas desejava uma simples mensagem num aplicativo. 

Nunca imaginaria chegar a este ponto quando conhecera a mulher naquela noite, mas aconteceu. Se perdeu. Enlouqueceu. Quanto tempo não ficava daquele jeito. Apaixonadíssimo.

Ele estava com um olho roxo, um corte no supercílio, uma marca no nariz, um machucado na perna. Tudo de uma briga na noite anterior.

  • Vocês nem me fizeram sangrar, fracotes, imbecís!

Gritou a plenos pulmões na porta da boate. Levou um soco do nada, bateu em quatro sem entender. Apanhou mais.

Usou das redes sociais para receber um pouco de carinho, atenção. 

Não recebeu dela. Não naquele momento.

Passa-se quase um ano.

Ele estava com a testa marcada, depois de acertar o asfalto, com a mão cortada, e a costela cortada. Socos e chutes. Recebeu tudo que tinha direito. Um roubo fracassado e ele levou a pior. Pelo menos recuperou o celular. 

Ela mandou mensagem. Estava preocupada:

  • Se cuida, tá?

Claro, se cuidaria sim. 

Achou um trabalho bom, pra não pensar naquilo, não se corromper à saudade do contato constante por malditas mensagens. E eram apenas mensagens.

E acabou como começou. Ele estava com marcas na bochecha, um dente pra cair, um roxo no braço e marcas na mão. Finalmente tinha batido mais que apanhado. 

Novamente não recebeu mensagem nenhuma. Mas ganhou a luta.

 Desato 20

O mundo da moda era assustador pra ele, sair com uma modelo, então, um disparate. Perdido se encontrava nos assuntos que ela contava. Convites inúmeros para passarelas e para camas, ela não negava que existiam, mas também não aceitava metade deles.

Ele se encontrava todos os dias, o tamanho o assustava sempre, mas o que mais preocupava era a santidade dela. Ele era desvairado, embriagado, talvez um falso badboy, que xingava, brigava. Truculento e ao mesmo tempo doce, do seu jeito casmurro e brusco.

Costumava ser mandão, e ela nem um pouco obediente.

Parecia que tudo era um teste, um estudo, será que era para afetar os pais? Não, era algo a mais. Ele não entendia na época. Talvez nunca chegue a entender.

O que matava, o que machucava, o que doía, era a irmã. Uma das mulheres mais lindas que ele já havia visto. Estudiosa, focada, inteligentíssima, brilhante, divina. 

Perdeu a chance quando não conseguiu se aproximar no momento certo. E tudo partiu de uma aposta. O amigo disse que podia apresentar alguém maravilhosa, ele não sabia quem era, mas por ser ruiva, interessou.

Apostaram uma partida de sinuca. Ele ganhou. 

Não adiantou de nada.

Depois ele percebeu, adorava as ruivas, mas as morenas, tinham o seu coração. 

Hiato

É outro dia. Outro bar. Um sanduíche gourmetizado, uma cerveja e meus cigarros. Phil Veras no meu fone. E mais uma vez, um casal na minha frente. Queria não ser observador, queria não ver o mundo a minha volta. Mas entre uma tragada e outra, meus olhos encontraram o casal.

Sentaram frente a frente. Não pediram nada além de cerveja. Ele fala e ela escuta, apoiando seu pescoço nas mãos, enquanto os cotovelos ficam sob a mesa. Ela não tira os olhos dele.

Será que isso já aconteceu comigo? Se sim, nunca percebi. Alguém interessado dessa forma. Em cada detalhe.

Quando chegaram ele fazia carinho na nuca dela, era suave. Completamente carinhoso.

Sinto falta dos encontros. Mas chega deles.

 

Desato 21

A garota tinha uma inteligência imensa, era genial, brilhante. O escritório de direito crescia, a sua competência triunfal. Sabia de filosofia à psicanálise. E ele não entendia o porquê ela tinha o beijado. 

Não mesmo. Mas havia, num emaranhado de encontros que acabou chegando na casa dela, numa madrugada limpa e fria. Não houve sexo, só beijo. E ele mantinha um pensamento de que ela estava ali apenas por causa de uma amiga tê-la impedido, pra inicio de conversa.

É uma história com tantos antes, que dificulta a explicação, mas, o que podemos fazer, as melhores histórias começam assim. Ou apenas começam. Ou tudo que começa já teve um início. Complexo. Parece que a bebida está fazendo efeito. 

Enfim, num fim de ano ele beijou uma garota, que não quis nada além. Ela era de um grupo de amigas comprometidas com o conhecimento, daqueles unidas, até em bares e restaurantes. História engraçada, num jantar desses, falaram apenas dos livros dele, e do jeito que ele era com mulheres.

Pois bem, essa garota do beijo, dito no parágrafo acima, começou a namorar, e ele logo entendeu que não teria nada ali. Até porque beijou só por beijar, nada a mais. 

Ela era a amiga que tentou impedir a mulher genial. Mas não conseguiu. 

Pena que ele era um idiota completo. Os beijos em dias de semana na faculdade eram fantásticos. Nas manhãs também. 

Uma vez um amigo apareceu e perguntou: Você está com essa mulher?

Sim.

  • E semana passada estava com aquela ruiva?
  •  
  • E ainda pensa em suicídio.

A resposta era não, principalmente quando estava dopado pelo carinho daquelas mulheres. Mas essa genial…

Era morfina para todas suas angústias.

Ele ainda era um idiota. Não a encontrou quando ela chamou, contou piadas que ela não gostou… E terminou.

Não teve adeus, apenas amizade. Mas a paixão, essa paixão. Ele continuou apaixonado. Perdidamente apaixonado.

Queria se casar. Queria abrir um escritório com ela, queria construir algo. Mas ele não era o suficiente. E o sonho não teve continuidade.

Desato 22

Ele odiava o fim, odiava o início e detestava toda a história. Mas ainda assim, contar surgia um efeito gigantesco na vida dele, parecia que criava um sentimento de nostalgia, voltava a um lugar bom, um lugar de paz, um lugar de um bom tempo. 

Eles precisavam estudar pra alguma prova, era importante. Foram para a faculdade mais cedo, ele passou no trabalho dela para buscá-la, o que talvez não fosse a palavra correta, até porque iam a pé, então, um melhor termo seria acompanhá-la.

Andou por uma hora em um sol de matar qualquer um, saindo do miolo central da cidade, por uma das maiores avenidas. Sentia que tinha percorrido toda ela, mas ainda faltava alguns mil quilômetros. 

Exagerado, sempre.

Ainda assim, ele passou por lá. Ela namorava na época.

Chegaram na faculdade, subiram as longas escadas e entraram na biblioteca. Não estudaram, apenas flertaram. Um quase beijo aqui, alguns carinhos ali. Ele brincando com a moça na mesa do lado e ela ficando irritada e com ciúmes. 

Subiram para os armários, tinham que pegar os materiais para irem pra aula. Já era tarde, não foram no primeiro horário para estudar. Ele ficou no último armário do último corredor, ela, no penúltimo. 

Ela estava irritada, com ciúmes e brigando por terem quase se beijado.

  • Isso não aconteceu, se acontecesse seria assim.

Se beijaram. Ele a puxou pela cintura, se beijaram, ela passou a mão pelos seus cabelos, puxou a parte de trás, se beijaram, apertou com força seu ombro, se beijaram, ele a segurou com força, se abraçaram. Ela o olhou com súplica. 

Nunca mais conseguiram se ver sem se beijar.

Hiato

Ele namorava, ela também. Ele precisava de estudar, ela também. A namorada dele sabia do antigo caso dos dois, o namorado dela não. Apenas ele, a namorada e ela moravam naquela cidade, apenas os três estudavam naquele campus, apenas os três estavam e precisavam de estudar.

Foram.

Mas não estudaram, apenas riram da vida e da raiva dele pelas dificuldades de falar em inglês. Riram do jeito que ele era atrapalhado. Se divertiram, e ninguém parecia desconfortável. 

Meses depois ele terminou. Ele e ela estavam na sala de aula, conversando, quando a agora ex namorada chegou. 

  • Minha nossa, o que me complica é que ela é linda.
  • Pois é, eu pensei a mesma coisa, você está ferrado. 
  • Eu estou. 

Só mais um beijo aconteceu. O caso e o namoro acabaram. Ele ficou só com essa saudade chata. Como era bom estudar na época da faculdade.

Hiato

No prédio a minha frente, tem janelas que falam comigo, me chamam, me levam pra dentro das casas confortavelmente organizadas para acalmar os trabalhadores diários que ali descansam.

São dias de constantes lutas, aquela velha história de se matar um leão de cada vez, aquele papo antigo, mas eles todos tem carros, alguns, luxuosos. Em finais de semana, festas nas coberturas, gritos e dança, música. Tudo para entregar a paz pretendida.

São quase 00:00, e um casal janta na mesa da sala. Consigo vê-los enquanto acendo o último cigarro da noite. Aqui se foi mais um maço.

Uma conversa com alguma amiga me vem a mente, ela diz que nos últimos contos voltei a escrever como antes, possivelmente é verdade, o que começou como um texto sobre descobri a mim mesmo, nos olhos de outro alguém, se transformou em mais um diário aberto, sobre aventuras românticas.

Me lembro também do que aquela do Ato escreveu sobre mim, “Seus amigos não se preocupavam mais em acompanhar a vida amorosa de Bento, não sabiam o que era ficção e o que era realidade, não sabiam se aquele caso aconteceu há uma década ou antes do almoço.”

Era tudo verdade, quase não pude acreditar na beleza sonora que aquelas poucas letras formavam, não em sentido ao nome dela, jamais. Mas naquela frase solta depois de uma briga idiota, “eu estou apaixonada por você.”.

Escrevi num caderno depois disso, a data, e uma anotação: “Ela gosta de mim.”

Meses depois precisei corrigir. Não era algo que funcionaria.

Quanta tolice. Quanta bobagem.

Agora já passam da meia noite, o casal apagou a luz da sala e fechou as cortinas que cobrem a vista. Será que era um jantar romântico? Ela parecia estar tomando vinho. Eles pareciam jovens.

Hoje é dia dos namorados, e nunca passei com alguém. Que tolice, quanta bobagem.

As luzes do apartamento abaixo daquele do casal permanece com as cortinas abertas e as luzes acesas, mas parecem ver televisão. Quão tedioso é o dia de alguém que precisa da TV e de todas suas informações para conseguir dormir.

Dizem, as boas almas ricas desse país, que a Ferrari não coloca propagandas na mídia, porque quem compra seus carros não ficam em casa assistindo a isso. Deve ser, na verdade, porque a Fórmula 1 já é publicidade o suficiente pra eles. Sabiam que comecei a fumar Marlboro por causa do carro do Ayrton Senna?

Claro que isso é mentira, ele morreu anos antes de eu nascer. Comecei a fumar por sempre gostar de falar a marca. E por ter sido o primeiro fumado, assim começa os vícios, sempre pelo primeiro.

Mudei o nome desse Desato agora, era pra ser o vinte e dois, mas preferi transformar num Hiato. Pensar sobre essas coisas e principalmente escrever sobre o que vem a minha mente.

Assim escrevo meus livros. Só jogo palavras na tela do computador e espero fazerem sentido, se não fazem, deixo. Se estão erradas, amo. Realmente amo quando erro. Detesto quando me corrigem, mas amo errar. Odeio quando dizem que meus livros são mal escritos. Ora, eu sei que são. Mas leio Bukowski, já leu algo bom desse velho? Não existe.

Não que eu queira ser o Bukowski da minha geração, jamais. Gostaria de ser o Allen Ginsberg, que ninguém realmente conhece, mas que com um movimento, mudou todos os Estados Unidos.

Gosto de pensar assim.

Agora não tem mais janelas abertas nem luzes acesas. A da minha sala possivelmente é a última. Pelo menos, só ouço a música que sai do meu notebook. Mais uma nota engraçada, eu apenas digito com meus dedos indicadores, mesmo fazendo isso rápido e sem olhar pro teclado. Fiz cursos de digitação quando mais novo.

Tinha uma garota na minha classe, mas por motivos óbvios, não direi o nome dela. Eu era perdidamente apaixonado por aquela garota. Tinha 09 anos. Nove.

Woody Allen diz em um dos seus filmes que nunca passou pelo período de latência.

O telefone tocou antes que eu pudesse concluir o pensamento, me perdi nele. Era meu primo. Morando na capital do país, tem uma liberdade que eu sempre sonhei. Estava bebendo vodca barata e tocando violão com amigos.

Diz que virá me visitar no final do ano, iremos viajar juntos, conhecer uma paquera dos seus quinze anos, imagine, temos vinte e três.

Pediu para eu acrescentar a escrita que ele me ama muito, e que sou o melhor primo que ele poderia ter, pedi, então, que mandasse um abraço pra sua irmã.

Por que tão cruel sempre?

Não sei. Me parece engraçado.

E não há nada de mórbido na graça. Imagino.

Será que acertei o nome daquela coisa que Freud falava? É mesmo período de latência? Não sei, e nem irei pesquisar. Como já disse, amo errar, e nada aqui é cientifico, então busque.

Há uma quebra clara na leitura, não? Estou conversando com você, quem quer que seja. Além das quebras poéticas que me permiti, até porque, é meu o livro, quis introduzir essa. Possivelmente porque estou bêbado o suficiente para não me importar.

Quero ver até onde consigo escrever sem me cansar e passar a contar outra história sobre alguma desilusão amorosa. Deveria falar sobre aquela que sempre retorna aos meus pensamentos como pequenos murmúrios, ou sobre a outra que tento voltar a beijar a tanto tempo, que nem sei.

Deveria contar sobre a amiga de outra cidade, que se classifica como um “Eu se saia”, que de forma impressionante, eu consigo ser completamente sincero sempre, e ela ainda, de um jeito que não consigo explicar, gosta e sente atração por mim? Não sei. O cigarro realmente acabou.

Acho que acenderei o cachimbo e escrever até amanhecer. Mas me faltam histórias. Nunca me faltaram tantas histórias. Eu vivo por e pelas as histórias.

Vi um lindo filme de romance e agora penso seriamente em engatar algum, só me falta alguém, e, a vontade de voltar a mentir sobre mim.

Desato 23

Ela enviou um e-mail dizendo que ainda o lia. Que olhava naquele antigo site, de tempos em tempos, buscando uma nova história. Ela bem sabia quando ele estava bem ou mal. Se daquele jeito, não escrevia, apenas vivia o momento. Se deste jeito, a escrita era comum. Ele não sabia escrever quando feliz, mas amava fazê-lo quando triste e desolado.

Possivelmente, leu aquela história sobre uma moça nova, e o viu saindo em algum momento da festa com ela. Logo depois daquele brinde sem graça. Ela nem esboçou sorriso algum, apenas o olhou com desdém.

Havia perdido o interesse em encontra-lo e se envolver em problemas, o casamento marcado, as mudanças da vida prontas para acontecerem, e ainda tinha uma promessa, se tudo desse erado, não importaria a hora, lugar ou data, ela bateria em sua porta pedindo uma chance.

Le tinha plena consciência que aquilo nunca aconteceria.

Mas parou pra pensar que poderia acontecer, e ao invés de fechar uma porta futura, logo após o brinde e o último e-mail trocado, trancou em seu próprio peito a vontade infinita de tê-la em seus braços.

Não era perda da vontade em si. Era aprisionamento. Assim como se segurava para não socar até a morte aquele rapaz que saltou a catraca do ônibus, se segurou agora para nunca mais procurar, querer saber ou falar sobre.

Se deu por satisfeito em escrever um último conto sobre o que passou e não pensar mais no assunto. Mesmo que aprendesse com os erros, aquele continuaria a ser, para sempre, como o mais belo cometido. Para ambos, imaginava ele.

Mas passou, assim como uma tempestade. Tudo tem um fim. Tudo.

E nada seria belo se não tivesse.

Desato 24

 

Eles eram jovens, ele um pouco mais velho. Ainda estavam no ensino médio. Irmã de um colega, religiosa, amava rock n’ roll e as bandas que ele idolatrava. Sonhava em ser perita criminal, área que ele mais admirava no Direito, que viria a estudar. Imagine a cena, ele condenando um criminoso em um tribunal do júri graças ao trabalho impecável dela.

Tudo isso passava pela sua cabeça de adolescente, jovem e rebelde. Sempre sem causa. Não sabia porque era.

Se sentava no fundo da sala, sozinho. Apenas ele. Ninguém entendia o motivo. Mas ele ficava bem daquele jeito. Ela era tão linda.

As suas conversas constantes eram por mensagens, vídeos, áudios. Mas tinha uma promessa. Não haveria beijo até que ela completasse seus dezoito anos.

Eles vieram, e não teve beijo pra ele, não. Um outro, com mesmo nome, apareceu.

Ela se apaixonou perdidamente.

Ele nunca entendia. Ela confessou certa vez que quase tinha o beijado, por diversas oportunidades, mas não o fez, pois imaginava que ele só estava ali para transformá-la num troféu, já que era amigo do seu irmão.

Ele perdeu um pequeno grande amor por causa do seu jeito idiota de sempre fazer piadas com tudo. Foi o primeiro que se recorda, mas possivelmente, tinham outros antes. Inúmeros.

O tempo passa, houve traição. Ele não entendia, ela fez outra promessa, só beijaria novamente após casada. Ele quase a pediu em casamento. Mas, o amor é algo forte, inesperado e completamente fora de controle.

Houve um retorno, o último que ele teve conhecimento. Ela estava de casamento preparado com o tal rapaz, traidor e xará dele. Mesmo nome, mesma paixão, mesmos erros, mas, amor recíproco. Aquilo que sempre falta aos amantes mais ardorosos. Reciprocidade.

No fim, ele apenas torceu pela felicidade dela. Sem promessas. Apenas fé que encontraria tudo aquilo que almejava.

Era um desejo sincero que ele odiava precisar fazer.

 

Hiato

A luz do apartamento da frente, bem na minha vista, pisca. Não sei se é a luz propriamente dita ou a televisão que reflete nas paredes laterais. Se aquele for do mesmo formato que este onde estou, e imagino que seja, ao entrar pela sala você encontraria uma porta a sua esquerda, que daria pra cozinha. Ali, uma pia, a geladeira, o fogão e a área para lavar roupa.

Mais a frente, a sala, onde colocaria uma mesa e o sofá, uma tevê. Uma porta de vidro divide essa sala da varanda, se é que podemos chamar assim a área que uso pra fumar. Virando a esquerda, um corredor, leva a três quartos e um banheiro, estando este à esquerda e o restante dispostos a direita, segunda direita e frente.

Quarto maior com banheiro e armário embutido, quarto menor com armário embutido, quarto menor. Imagino que também poderiam fazer um armário neste, mas não, nos deixaram comprar um.

Não há o que ver em lugar nenhum, nem o que beber, comer ou fumar. A não ser o cachimbo, que está apoiado no notebook para não espalhar o fumo.

Enquanto repenso na minha adolescência após relembrar essa pequena história, lembro da música que fizeram para brincar comigo. Meus amigos da época, que mal conseguiam conversar com uma garota. Lembrei então da primeira vez que beijei uma desconhecida, era o dia do nerd, ou quatro de maio.

Um domingo quente, coloquei minha blusa favorita do super-homem, uma camiseta rasgada, aos pedaços, e fui a um show. Andei durante horas com um grupo de amigos que mal conversava, que eu nem gostava. A garota que eu queria beijar, estava com seu namorado. Era um dia exaustivo.

Chegamos e eu não bebia nada alcoólico, quanto tempo perdido.

Servi um copo para não perder mais tempo.

Retornando, uma garota loira de olhos azuis não parou de olhar pra mim, então a beijei.

E foi isso, só isso. Nada mais. Um beijo, e sinceramente, foi o melhor beijo de toda a minha vida. Ainda lembro da sensação.

Nisso, me pego por vezes pensando que o amor nada mais é do que uma sensação. Não um sentimento, mas um sentido. Ama se sentir de uma maneira. Não ama o outro, mas sim, o próprio sentir.

Desilusões causadas por meia garrafa de rum.

Desato 25

Era uma festa no centro da cidade, um grupo diferente de amigos, ele não se encaixava muito bem. Eram amigos antigos, ele um novato naquele. Discutiu sobre liberdade de expressão na casa de um deles, as pessoas ficaram irritadas com suas opiniões profundas.

A que viria a namorar com ele estava com outro rapaz, mas ele não se importava, ainda não estava perdidamente apaixonado por ela. Não saia de casa para beijar nem se relacionar. Saia para beber e se divertir, debater com qualquer um sobre qualquer coisa, fumar em paz, se afastar dos seus pensamentos impuros e contrários à própria existência.

Foram para esse PUB que tocaria apenas música Indie durante toda a noite, era um grupo interessante de pessoas. Cantavam, dançavam, se abraçavam e se beijavam.

Ele já estava bêbado quando subiu no palco para gritar aquela música, e danças na frente de pessoas desconhecidas. Foi obrigado a descer, o segurança não estava nada feliz.

A garota, futura namorada, parou de beijar o outro rapaz e foi dançar com ele, colados e sentindo cada centímetro do corpo um do outro. Ele não fez nada, preferiu trocar de parceira. Esta, ele beijou.

– Você dança bem.

Ela mentiu.

– Eu sei, mas acho que vou fumar.

Ele disse, indicando que queria um lugar mais reservado para beijá-la de forma mais íntima. Ela não entendeu. Dependeu da ajuda da futura namorada, que levou a garota ao seu encontro.

Se beijaram durante a noite.

No dia seguinte, ela apenas mencionou que ele era estranho, ou algo assim, ele não se lembrava muito bem, e também não se importava tanto com os adjetivos dados.

Uma semana depois, estaria beijando a futura namorada enquanto o amigo de ambos fumava um cigarro. Mais uma semana, namorando. Mais alguns meses, terminaria o namoro, recuperaria um outro amigo e manteria a sanidade do seu jeito próprio. Se afastando de tudo e de todos.

Nesses diferentes momentos, apenas um fato se tornou verídico, ele apenas queria sair a noite para se afastar de si mesmo.

Desato 26

Ele foi viajar. Alguns amigos em um carro, a casa da amiga como destino, no interior do estado. Um final de semana, muita bebida e algum macarrão instantâneo nas manhãs do sábado e domingo.

Tranquilidade dele, gostava daquelas pessoas que estavam com ele, de todas elas. Era um sentimento de pertencimento. Ele vivia aquilo. Amava aquilo.

Eram três mulheres e um rapaz. Dentre elas, havia “ELA”. Que era uma paixão antiga, tomada por uma atitude passiva agressiva sempre atuante, que ele particularmente já havia se cansado. Mas ainda era divertido.

Pensava que não iria beijá-la. Aquilo já tinha passado. Até mesmo numa última tentativa de beijo, fracassou bisonhamente, então, estava realmente tranquilo.

Se havia algo engraçado nessa amizade dos dois, era o fato de que ela não entendia como ele sempre estava com mulheres fantásticas. E o mais engraçado, é que ele também não entendia.

Chegaram na cidade e foram comer algo, depois foram para a casa, beberam  e resolveram sair. Para uma boate qualquer.

A que conheciam, havia mudado de lugar. Foram até ela, ainda assim. Num espaço longe da cidade em si.

Beberam o que tinham que beber. Ele recebeu uma mensagem, alguém brigava com ele, aparentemente uma amiga de uma garota: “Quem você pensa que é? Quem marca um encontro e não vai? Passa uma semana em silêncio. Se acha muito né? Você não é nada. Canalha.”

Ele ficou chateado, não pelos xingamentos, ou por estarem possivelmente certos, mas por não ter ideia do que a moça estava falando, e pelo fato de ela ter bloqueado o seu contato, o que impedia de retornar as ligações.

“Você acha que eu sou mulherengo, sei lá, um canalha?”, ele perguntou pra uma de suas amigas.

“Acho, mas você se apaixona por todas elas, então não é um canalha, é só um bobo apaixonado.”, ela respondeu.

A amiga saiu, levando a outra. O amigo estava beijando alguém.

Ficou ele e a querida passiva e agressiva amiga, que carinhosamente, o chamava de lorde.

Ela começou a contar uma história sobre o Rio de Janeiro, de suas viagens, dos famosos. Algo aconteceu e se beijaram.

“Fiquei esse tempo todo te contando sobre o Rio querendo que você me beijasse…”

Ele percebeu que não sabia nada sobre mulheres num contexto geral. Mas principalmente sobre esta, linda, brilhante, magnifica que estava a sua frente, ele não entendia absolutamente nada. Mas o beijo era fantástico.

Hiato

Ah, o amor… Eu não sei mais nada sobre ele. Nada, mesmo. Absolutamente nada. É irritante. Eu não saber sobre algo. Frustrante. E por não saber, sempre me perco em suas amarras nebulosas. Amo muito, ou nunca amei. Talvez apenas tenha confundido, o que não é muito comum.

Arrogância? Sim. Sempre.

Procuramos sempre por aquele amor, sabe? Aquela pessoa que diz um “eu te amo”, à primeira vista, ao primeiro olhar, no primeiro mês, num dia. Se já aconteceu comigo, eu não percebi, embora imagine que, se eu não percebi, nunca aconteceu comigo.

É uma pena se eu nunca tiver percebido, mas no fim, acho que nunca mereci. E é isso. O amor é questão de merecimento.

O que é triste. Mas a própria vida é triste. A tristeza é fundamental. Menos que a felicidade, claro.

Ando tão feliz ultimamente que até estranho. Mas, reclamar não irei. Até porque, reclamar é clamar duas vezes.

Reclamo, portanto, do amor, pois o quero, abertamente, imensamente, adoravelmente, imediatamente.

É sobre isso. Amor. Tudo é amor. E felizmente, eu acredito no amor. Finalmente.

Desato final – A história por ela:

Cabelos pretos e bagunçados, olhos de jabuticaba, lábios finos e a barba sempre falhada. Ele se escondia atrás de pilhas de livros e da fumaça que saía de seu cigarro barato. Disfarçava sua estima com piadas ruins e ofensivas que ele chamava de humor ácido. Poucos amigos, tinha apenas dois assuntos favoritos: mulheres e morte. Ele realmente achava que estes assuntos eram interligados, se falasse de mulheres, acabava falando da morte. Se começava pela morte, termina falando sobre as mulheres.

Viciado em melancolia, o rapaz se jogava aonde o vento batesse, não era de recusar convites, experiências ou brigas. Vivia cada dia como se fosse o último, desesperado por emoções, vidrado em colecionar histórias. Ele se apaixonava por mulheres bonitas, e encontrava em cada mulher uma beleza sem precedentes, que ele poderia escrever um livro inteiro sobre como uma delas jogava o cabelo para o lado ao rir, sem graça de alguma piada infame. Seus amigos não se preocupavam mais em acompanhar a vida amorosa dele, não sabiam o que era ficção e o que era realidade, não sabiam se aquele caso aconteceu há uma década ou antes do almoço.

Gostava de cinema, principalmente das cenas onde o poeta apaixonado se sentava no escuro, fumando seu cachimbo e ouvindo algum blues, enquanto balbuciava a letra e lamentava a vida. Mais uma dose de whisky, por favor. Sem gelo, claro. No ápice da embriaguez escrevia sobre mulheres e sobre a morte. Levava a vida mais poética possível, e via mais poesia na noite do que no dia, embora não soubesse a diferença deles após a sexta dose. Maldito Nietzsche.

O rapaz era daqueles que não perdia uma conversa de bar, uma briga na esquina, um debate de alterados. Enchia a boca para falar de seus filósofos favoritos e de como era especial por ver a vida em preto e branco, e claro….de sua última conquista amorosa.

E sobre as mulheres, ele poderia olhar dentro de qualquer olho feminino e jurar que vira seu espírito. E as moças percebiam, naqueles olhos de jabuticaba havia uma atenção nunca antes percebida. Sua escuta extremamente atenta, e sua fala macia e clichê, eram o combo perfeito para risadas e flertes nos cantos da cidade. O homem era bom com humanidades.

Certa vez recebeu um convite de um amigo para beber num feriado qualquer, mas não estava na cidade e precisou recusar. Logo recebeu fotos e vídeos do amigo, que estava em um bar qualquer com uma amiga de infância. Ele notou a moça e claro, não poderia deixar de enviar um elogio. “É sempre bom elogiar mulheres bonitas” – pensou. A moça era simpática e logo iniciou uma conversa virtual com ele, brincaram sobre ter ciúmes do amigo em comum. Uma conversa qualquer, numa noite qualquer, numa rede social qualquer.

A moça não era da cidade, estava em sua última noite de viagem, ele lamentou não ter outra oportunidade para encontrar a moça e fazer o elogio pessoalmente. “Que sorte a dele, terá uma noite inteira para conversar com ela” – pensou enquanto desejava uma boa viagem para a nova conhecida. Bastou apenas ler seu nome em voz alta, e quase não pode acreditar na beleza sonora que aquelas poucas letras formavam.

O celular logo tocou, uma nova notificação “te enviou uma mensagem”, seus olhos acenderam e leu com certa atenção o elogio que recebera por um poema escrito há algum tempo. A moça não só leu seus poemas, como gostou, ela não só gostou, como enviou uma mensagem elogiando e perguntando onde poderia encontrar outros textos como aquele. Aí estava, ela abriu uma oportunidade, e ele, claro, logo a enviou um livro completo, e ainda solicitou uma análise da coisa escrita. Que prato cheio! Ela adorava criticar a escrita alheia. Trocaram textos, elogios, críticas, mensagens, ligações, logo trocaram segredos e afetos… aqui começou o conto favorito de Yuri.

Hiato Final: A história por mim.

Eu tenho um apreço por conversar enquanto escrevo. Deixar claro ao leitor, quem ele seja, que estou aqui, te acompanhando nessa empreitada que é ler um livro.

Particularmente adoro ler as coisas que eu escrevo, não sei você. Meu livro favorito é sempre o último que escrevo. Inclusive, nunca reli outro anterior.

Mas devo aqui deixar registrado, este é o meu favorito sem comparações. Os outros… Eram sempre tão pessoais. Eu precisava gritar o que estava sentindo. Este aqui, eu apenas disse. Não precisava contar nada, não por mim. Embora, goste muito de contar o que me acontece.

Conto histórias. E é isso.

Todas as histórias aqui contadas, de fato aconteceram, do jeito que as contei. Claro que isso é mentira, por favor, não há nem verdade absoluta, que dirá história absoluta.

Mas de fato, tudo aqui aconteceu de um jeito próximo ao que contei. Queria uma história de amor abrindo um Ato teatral, com as cortinas. E encerrando com as partes não ficando juntas, fechando-as.

Queria Desato, contando sobre os seus desencontros com outras pessoas, com outras mulheres, e até com a mesma que se encontra no teatro, os retornos e os entendimentos que o personagem principal possui, ao decorrer da própria história. E queria um hiato, para poder explicar, dizer, conversar ou apenas brincar com o contar histórias.

E consegui escrever unindo as coisas que mais gosto, Crônicas, Contos e Poemas, utilizando de várias maneiras pra contar apenas mais histórias de amor.

É mais um livro de um alguém que aceitou, enfim, a existência do amor em sua vida.

É só um livro de um alguém que ama contar histórias!

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